Como o WhatsApp deu voz à nova direita radical brasileira

Fake news não exercem apenas o papel de enganar. Funcionam também como mitologia

Pedro Doria, de O Globo – Quando tudo passar, há uma história fundamental a ser reconstruída para compreender a eleição de 2018: como nasceu, e como se estruturou, a extensa rede de WhatsApp que deu corpo e voz à nova direita radical brasileira. É uma história importante, em grande parte, por conta do tamanho que tomou e por sua íntima relação com a distribuição de notícias falsas. A esquerda não é imune a fake news. Mas a máquina de distribuição da direita é melhor e mexe mais profundamente com seus seguidores.

Dois momentos são chaves. O primeiro, em 2015, é o do forte voto do ainda pouco conhecido deputado Jair Bolsonaro, durante o processo de impeachment de Dilma Rousseff. “Perderam em 64”, ele disse ao microfone. “Perderam, agora, em 2016. Pela família, pela inocência das crianças em sala de aula, contra o comunismo, pela liberdade, pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff, pelo Exército de Caxias, por Deus acima de todos, o meu voto é sim.”

Àquela altura, o WhatsApp estava próximo de conseguir 100 milhões de usuários ativos no Brasil e as grandes manifestações de rua mostravam, aqui e ali, pequenos grupos pedindo intervenção militar. Parecia ser com eles que o deputado buscava diálogo e não havia indício de que aqueles eram o embrião de algo maior. Porque a plataforma de mensagens já era a forma de comunicação mais popular nas ruas, foi ali que os elos iniciais desta grande rede se implantaram.

Um núcleo que, como toda a militância política dedicada, se mostrou desde cedo muito ativo. E ao qual Bolsonaro e seus filhos se conectaram de presto. O número de grupos no sistema dos quais pai e filhos Bolsonaro fazem parte é grande, e deles participam com afinco. Enviam mensagens, que por sua vez são reenviadas, e reencaminhadas, e distribuídas numa rede de círculos concêntricos até as bordas mais distantes. O Brasil os ouve assim.

O momento da greve dos caminhoneiros, no primeiro semestre, foi também marcante. Porque, ali, o WhatsApp se consolidou como a principal ferramenta de debate político para um contingente grande de brasileiros que, desnorteados, precisavam se mobilizar. A quantidade de áudios e vídeos falsos tratando de uma iminente tomada de poder pelos militares não foi pequena.

Foi estratégico: a quantidade de fake news com militares no centro cumpriu um papel importante. Grupos de WhatsApp têm limite de participantes. Então quanto mais gente vinha, mais grupos eram criados. Quanto mais pessoas se mostravam receptivas à ideia de um discurso autoritário ligado aos militares, indiretamente, maior e mais sólida se estabelecia a base do candidato que hoje lidera a corrida para o Planalto.

Fake news não exercem apenas o papel de enganar. Funcionam também como mitologia — um conjunto de histórias que circulam numa cultura para simbolizar crenças profundas. Não é apenas literal, por exemplo, o constante semear da incredulidade nas urnas eletrônicas. Sim, claro, há tática por trás: partir para briga no caso de derrota. Mobilizar militantes para tentar vitória no primeiro turno. Mas há um sentido mais profundo de descrença na democracia.

Sua turma chama Bolsonaro de mito. Pois é: no tempo das tribos digitais, em que nossa cultura se torna mesmo mais sectária e por isso tribal, o apelido cabe.

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