Suprema Infringência

Por Carlos Lula*

LulaLeio no dicionário. Infringentes. Adjetivo. Que pode infringir; que desobedece, desrespeita ou infringe. Que modifica. Nunca antes na história deste país falamos tanto nos tais infringentes. Embargos Infringentes. Um recurso. Vindo de Portugal. Adotado no Brasil. Cabem ou não cabem?

É apenas mais uma parte do enredo da polêmica Ação Penal 470, conhecida popularmente como “mensalão”. Na última quinta-feira, a sessão do Supremo Tribunal Federal foi encerrada diante de um empate: cinco ministros a favor do julgamento do recurso e outros cinco, contra. A questão central: seriam cabíveis Embargos Infringentes, isto é, seria possível tentar uma rediscussão da decisão primeira do STF que condenou os réus na famosíssima ação?

Luis Roberto Barroso, Teori Zavascki, Rosa Weber, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski entenderam que os Infringentes são cabíveis. Já os ministros Joaquim Barbosa, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Marco Aurélio entenderam pelo não cabimento do recurso. Celso de Mello ainda solicitou ao Ministro Joaquim Barbosa para votar, mas este encerrou a sessão.

Assim, caberá ao ministro Celso de Mello, decano da Corte, definir, na quarta-feira (18/9), se o tribunal admitirá o julgamento de Embargos Infringentes na Ação Penal 470.

Explico. Os Infringentes estão previstos apenas no Regimento Interno do STF. Mas, antes da Constituição de 1988, que deu competência para a União legislar sobre direito processual, a Constituição de 1967/69 dava ao Supremo tal poder, de modo que seu regimento interno era uma Lei Ordinária, e não um ato infralegal, como é hoje.

Assim, após 1988 o entendimento geral é que as normas do Regimento Interno do Supremo que dizem respeito sobre questões eminentemente regimentais foram recepcionadas como normas de regimento interno, ao passo que o conjunto de normas que dispõem sobre direito processual foi recepcionado pela Constituição de 1988 como se fosse Lei Federal Ordinária.

Existem inúmeras decisões do Supremo, inclusive do Presidente Joaquim Barbosa, reconhecendo tal situação. E qual a polêmica dos Embargos Infringentes? A existência da Lei nº 8.038/90, que instituiu normas procedimentais para os processos perante o STJ e o STF. Os cinco ministros, que inadmitiram o recurso, entenderam que estariam revogadas todas as disposições contidas no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, que dizem respeito às normas processuais dos feitos de sua competência.

Mas, se formos fazer um levantamento das decisões do próprio Supremo em casos outros, veremos que a tese não se sustenta. E por que tamanha polêmica? Por se tratar do processo do mensalão e porque a sociedade olha o Judiciário como corresponsável pela impunidade na sociedade brasileira.

Os Embargos Infringentes são um bom recurso? Não. Mas se existem e são admissíveis, não é possível negar esse direito aos réus do processo. Vale sempre lembrar que o constitucionalismo democrático foi a ideologia vitoriosa do século XX. Isso está a significar Estado de direito, poder limitado e respeito aos direitos fundamentais. O rei não mais se submete à sua vontade, mas à força da Lei. Nem mesmo a multidão pode modificar tal garantia. Aliás, as garantias constitucionais existem exatamente contra as multidões.

O que quero dizer é que um Tribunal não pode decidir pensando nas manchetes dos jornais do dia seguinte ou reagindo às do dia anterior. Não quero, com isso, afirmar que ele não deva satisfação ao povo. Todo poder político, tal como o judicial, em um ambiente democrático, é exercido em nome do povo e deve contas à sociedade. Muitas vezes, contudo, a decisão correta não é a mais popular. E é com base na Lei e na Constituição que as decisões judiciais devem ser pautadas.

Todo julgador precisar saber separar a vontade política da interpretação jurídica. E a venda da deusa Themis não é um indicativo de que o Judiciário deve fechar os olhos para a sociedade, mas que o magistrado não pode julgar de acordo com o nome dos réus. Que o Ministro Celso de Mello possa votar sem sofrer intimidação de qualquer parte na próxima semana.

Carlos Eduardo Lula é Consultor Geral Legislativo da Assembleia do Maranhão, Advogado, Presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/MA e Professor Universitário.

 e-mail: [email protected]

Nota: A partir de hoje o Blog publicará todas as terças-feiras o artigo semanal do advogado Carlos Eduardo Lula, publicado conjuntamente em O Imparcial.

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