O bom Juiz

06/05/2011. Crédito: Neidson Moreira/OIMP/D.A Press. Brasil. São Luís - MA. Carlos Eduardo Lula, advogado.Brevemente encerra-se o mandato do Ministro Joaquim Barbosa na presidência do Supremo Tribunal Federal. Sem dúvidas, um dos mais polêmicos de toda história da Corte. Nesses dois anos, foi endeusado por muitos e odiado em igual proporção por outros tantos. Acusado de populismo judicial, teve insistentemente seu nome lembrado para a disputa da Presidência da República, aparecendo em alguns cenários com um bom número de votos.

De minha parte, tenho severas críticas quanto à atuação do Presidente da STF e proponho uma reflexão: considerando que os resultados de controle social da atuação como Juiz não resultam no que se espera, será que está justificada a atuação como “vingador social”? Ou de outro modo, é possível atropelar o sistema jurídico-processual sob o argumento de se estar fazendo justiça?

Já devo alertar que minha resposta é negativa. Seja o Direito Eleitoral, sujeito rotineiro de todo tipo de subjetividade, seja em qualquer outro ramo do direito, não se pode depender da posição pessoal dos seus intérpretes-aplicadores para sabermos a solução de nossos conflitos. Não se pode esperar uma atuação da Corte de um modo porque o Presidente era um Ministro e diametralmente oposta, sobre o mesmo tema, com a presidência de outro membro.

Vamos imaginar uma decisão sobre um tema de grande polêmica, o aborto. Imaginemos ainda que a tese debatida no Supremo seja a sua descriminalização. Não é possível que a decisão sobre esse tema dependa exclusivamente da posição pessoal do Ministro. Ainda que o percurso de nossa vida influencie decisivamente no nosso modo de interpretar e ver o mundo, a discussão não pode ser encerrar nos argumentos de que o Ministro A é católico fervoroso, o B é ateu, o C é protestante e o D é liberal.

Um país não pode ficar refém do humor ou da convicção pessoal do Ministro sobre o tema. Sua posição ideológica, política, subjetiva e pessoal, pelo menos em tese, em nada deveria importar para a decisão final. Como bem dizia Ronald Dworkin, não me importa o que pensam os juízes. Ou como diz Lenio Streck, não me importa para que time os juízes torcem ou suas preferências sexuais. Decidir não é o mesmo que escolher. Decidir é um ato de responsabilidade política.

O Direito não pode depender da “régua” do aplicador da lei. A torcida por um “durão”, como o Ministro Joaquim, ou um “não durão” ser guindado ao carro é perniciosa às instituições como um todo. O destino do Direito não pode depender da subjetividade e do humor dos detentores do poder.

Repise-se: tomar decisões no campo jurídico é ter responsabilidade política. Não é simplesmente escolher um lado ou outro. Lenio Streck está correto ao afirmar que decisão não é escolha. Escolha diz respeito a gostos e opiniões, o que deve ser afastado de todo e qualquer julgamento.

Na decisão, há algo que se antecipa, que é a compreensão daquilo que a comunidade política constrói como direito. O Magistrado, qualquer magistrado, ao decidir, deve estar comprometido com os fundamentos do Estado Constitucional. Toda decisão judicial deve ser construída de acordo com a legalidade constitucional.

Ou seja, um problema jurídico deve ser respondido por argumentos jurídicos. Direito não é moral e a moral não corrige o Direito. Não importa a personalidade do juiz. Ao Direito não importam as inclinações do magistrado, porque temos uma Constituição e Códigos para responderem as questões jurídicas. É isso o que se chama de Direito democraticamente construído: um Direito que dispensa opiniões e convicções pessoais, como, mais uma vez, afirma Lenio Streck.

Infelizmente, a conduta do Ministro Joaquim Barbosa na Corte serviu apenas para reforçar a falsa convicção de que há magistrados iluminados que “sabem o que é melhor para sociedade”. Vamos então depender que “homens bons” nos conduzam? Estaremos sujeitos à “bondade” do órgão julgador?

O problema é saber qual é o critério dessa bondade. Só para lembrar, um nazista tinha por decisão boa ordenar a morte de inocentes. Sempre teremos justiceiros sabedores do “bem” da sociedade a indicar que caminho seguir. Refaço a pergunta de Agostinho Ramalho Marques Neto: quem nos salva da bondade dos bons? Pelo menos da maldade dos maus, eu mesmo me protejo.

 

 Carlos Eduardo Lula é Consultor Geral Legislativo da Assembleia do Maranhão, Advogado, Presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/MA e Professor Universitário. e-mail: [email protected] . Escreve às terças para O Imparcial e Blog do Clodoaldo Corrêa.

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