A Vida como ela é…

Por Carlos Eduardo Lula

Celso
– A paz começa em mim. Era seu mantra diário. Acordava mentalizando essa passagem. A paz iniciava nele, em Celso. Era um rapaz taciturno, ria pouquíssimo ou não ria nada. Dizia-se que ninguém tinha sequer um dia visto seus dentes. Raquel, viva, expansiva, brincalhona não entendia essa tristeza.

Um encontro casual no réveillon e, sem bem perceber, Raquel tinha começado um namoro. Logo ela, avessa a relacionamentos estáveis.

O que a tinha conquistado? O olhar triste e a voz baixa de Celso. Até o nome era cadavérico, Celso, uma homenagem a seu bisavô. E ali, nas festas de fim de ano, tempos de festejar, de ser feliz, de estar ao lado da família, dos amigos e das pessoas de quem gostamos, Celso simplesmente não esboçava um só sorriso.

A pergunta
Já sem aguentar aquela condição, Raquel faz a Celso a pergunta definitiva: por que é que você é tão triste? Até no facebook não há fotos suas sorrindo. Ele negou que fosse triste.

Erro fatal.

Raquel iniciou um grande discurso sobre falta de confiança, sobre o relacionamento, questionou se de fato ele gostava dela. Celso simplesmente respondeu que a sociedade era tirânica, que nos impunha a felicidade, que estar feliz era uma obrigação e que ele não iria se submeter àquela condição.
No fundo, Celso se sentia cada dia mais triste por não conseguir ser feliz. Por isso recitava, de hora em hora, como um carma, que a paz se iniciava nele próprio.

A confissão
Raquel, que não conhecia a família nem os amigos de Celso, se é que os tinha, passou a especular dia e noite sobre aquela condição. Teria ele matado alguém? Seria fugitivo? Até que um dia, Celso puxa o assunto:

– Naquele dia, menti pra ti.

Raquel simplesmente disse que poderia confiar nela. Poderia falar o que quisesse.
E Celso, como nunca antes, falou. Admitiu que tinha vergonha de ser triste, que a vida dele era repleta de momentos imperfeitos e infelizes. E que viu, ainda menino, o pai, um alcoólatra, matar a mãe e logo depois se matar, após ter descoberto que ela o traía com o vizinho. Como esboçar algum sorriso após assistir àquela cena? Ademais, era Raquel sua primeira namorada, mas não podia nela confiar. Se sua mãe era uma traidora, que mulher não seria?

Felicidade
Naquela noite, Raquel explicou a Celso que todos nós somos feitos de vazios. Vivemos na falta de alguma coisa que nos complete. É essa incompletude que faz nascer o sonho, de que precisamos para viver. Mas também é ela que nos abre a porta para tristeza e a depressão, cada vez que não conseguimos admitir nossa finitude e insignificância. A tristeza era uma dimensão de nossa vida, assim como a alegria. Mas não poderíamos deixá-la tomar de conta do nosso ser. A paz começava em nós próprios. Bingo. Ali, trocaram juras de amor eterno.

O casamento
Dentro de uma semana, Raquel mudara-se de malas e cuias para a casa de Celso. E na primeira noite na nova morada, ela pergunta a ele: acredita no meu amor e na minha fidelidade?

– Em teu amor eu acredito, mas não pergunte sobre a fidelidade. Você sabe o que é ver o pai assassinar a mãe?

Incrédula, Raquel esperneia, até ouvir de Celso que sim, na fidelidade dela ele acreditaria. No meio da noite, após um tórrido sexo, Celso se levanta, beija a testa da adormecida, e diz simplesmente: – A paz começa em mim e um dia me trairás. Vai ao banheiro, lá se tranca e escreve “morro para não ser traído”. Com um tiro põe fim à sua vida.

Carlos Eduardo Lula é Consultor Geral Legislativo da Assembleia do Maranhão, Advogado, Presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/MA e Professor Universitário. e-mail: [email protected]

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