Os fantasmas de 1964

06/05/2011. Crédito: Neidson Moreira/OIMP/D.A Press. Brasil. São Luís - MA. Carlos Eduardo Lula, advogado.Por essas ironias do destino, na data de ontem celebramos (?) 50 anos do Golpe de 1964, no mesmo dia em que comemoro meu aniversário. Mas deixando de lado o infortúnio do meu natalício ser comemorado no mesmo dia do fatídico fato, devemos relembrar 31 de março de 1964 como ele realmente foi.

O 31 de março de 1964 foi um golpe militar que impôs a pior ditadura da história do Brasil, com tortura, mortes e censura. Sim, o que se estabeleceu em 1964 não pode ser caracterizado de outro modo.

Causa-me extrema preocupação uma revisão negacionista que tem ganhado corpo no Brasil. Marco Antonio Villa, por exemplo, acaba de lançar obra em que afirma textualmente que não é possível chamar de ditadura o período de 1964 até 1968, diante da movimentação político-cultural existente. Muito menos chamar de ditadura os anos 1979-1985, com a aprovação da Lei de Anistia e as eleições para os governos estaduais em 1982. Para ele, vivemos um pequeno período após o AI-5 que pode ser considerado ditadura. A ditadura não foi tão ditadura assim. Nada mais aterrorizante.

Uma possível releitura desse período seria apontar para o apoio dos civis aos primeiros momentos do Golpe. Não mais que isso. O golpismo não foi só dos militares, mas também dos civis.

Depois da tomada do poder pelas Forças Armadas, a imensa maioria da população acomodou-se e até aplaudiu. Com o passar dos anos e os excessos praticados pelo regime, a tendência nacional posicionou-se contra o mesmo.

Para isso, transcrevo alguns jornais de cinquenta anos atrás, que bem traduzem o sentimento da sociedade à época:

Ressurge a Democracia! Vive a Nação dias gloriosos. Porque souberam unir-se todos os patriotas, independentemente das vinculações políticas simpáticas ou opinião sobre problemas isolados, para salvar o que é de essencial: a democracia, a lei e a ordem. (O Globo – Rio de Janeiro – 4 de Abril de 1964)

Multidões em júbilo na Praça da Liberdade. Ovacionados o governador do estado e chefes militares. O ponto culminante das comemorações que ontem fizeram em Belo Horizonte, pela vitória do movimento pela paz e pela democracia foi, sem dúvida, a concentração popular defronte ao Palácio da Liberdade. Toda área localizada em frente à sede do governo mineiro foi totalmente tomada por enorme multidão, que ali acorreu para festejar o êxito da campanha deflagrada em Minas (…), formando uma das maiores massas humanas já vistas na cidade. (O Estado de Minas – Belo Horizonte – 2 de abril de 1964)

Desde ontem se instalou no País a verdadeira legalidade … Legalidade que o caudilho não quis preservar, violando-a no que de mais fundamental ela tem: a disciplina e a hierarquia militares. A legalidade está conosco e não com o caudilho aliado dos comunistas. (Editorial do Jornal do Brasil – Rio de Janeiro – 1º de Abril de 1964)

Milhares de pessoas compareceram, ontem, às solenidades que marcaram a posse do marechal Humberto Castelo Branco na Presidência da República …O ato de posse do presidente Castelo Branco revestiu-se do mais alto sentido democrático, tal o apoio que obteve. (Correio Braziliense – Brasília – 16 de Abril de 1964)

O Brasil já sofreu demasiado com o governo atual. Agora, basta! (Correio da Manhã – 31/03/64 – Do editorial, BASTA!)

Quando a sociedade se deu conta, já era tarde. Junto com qualquer ditadura vêm a truculência, o arbítrio, a tortura e a censura. Querer minimizar crimes contra a humanidade, como os ocorridos nesse período, é contribuir para não exorcizarmos de vez os fantasmas de 1964.

 

Carlos Eduardo Lula é Consultor Geral Legislativo da Assembleia do Maranhão, Advogado, Presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/MA e Professor Universitário. e-mail: [email protected] . Escreve ás terças para O Imparcial e Blog do Clodoaldo Corrêa