Lenda urbana: Concurso Público em ano eleitoral

Carlos Eduardo Lula

 LulaCertas declarações de Administradores Públicos sempre me fazem lembrar a brincadeira de telefone sem fio, da qual tanto participei quando criança. Por meio dela, um interlocutor passava a outro uma história. E esse teria de passar a outro, que o repassava também ao pé do ouvido, até chegar ao final da fila. A história sempre chegava pela metade, distorcida no meio do caminho e gerava boas risadas.

Nossa sociedade adora brincar de telefone sem fio. Recentemente, gestores municipais declararam que concurso público não poderia ser realizado este ano por se tratar de ano eleitoral. A lei nos impede, afirmavam. Lenda urbana, nada mais que isso. Uma pequena história de caráter fabuloso, amplamente divulgada de forma oral, constituindo um tipo de folclore moderno. Nosso telefone sem fio.

Então, que fique esclarecido de uma vez por todas: é possível a realização de concurso público em qualquer mês de ano eleitoral. A lei não proíbe a realização de concurso público em ano de eleições. O que a lei veda, em certas circunstâncias, é a admissão, em ano eleitoral, dos novos agentes públicos aprovados.

Deste modo, a Lei nº. 9.504/97, conhecido como Lei das Eleições, proíbe que, na circunscrição do pleito, nos três meses que o antecedem e até a posse dos eleitos, sob pena de nulidade de pleno direito, nomear, contratar ou de qualquer forma admitir, demitir sem justa causa, suprimir ou readaptar vantagens ou por outros meios dificultar ou impedir o exercício funcional e, ainda, ex officio, remover, transferir ou exonerar servidor público.

Neste caso, o legislador precaveu-se, proibindo, desde o terceiro mês que antecede as eleições até a posse dos eleitos, certas condutas, a fim de evitar com elas a manipulação de eleitores, notadamente de servidores públicos.

A norma, portanto, não proíbe a realização de concurso público, mas a ocorrência de nomeações, contratações e outras movimentações funcionais desde os três meses que antecedem as eleições até a posse dos eleitos, sob pena de nulidade de pleno direito.

Ou seja, não há também qualquer proibição para a realização ou abertura de concurso público em ano eleitoral. O que o inciso V do art. 73 veda é a ocorrência de nomeações, contratações e outras movimentações funcionais. O concurso público, pois, pode ser realizado. Caso a lista com os aprovados do concurso não tenha sido homologada até três meses antes do pleito, a nomeação só poderá ser realizada após a posse dos eleitos. Os que tenham sido aprovados em concurso cujo resultado tivesse sido homologado fora desses três meses, podem ser nomeados e tomar posse inclusive no período de três meses que antecedem o pleito.

Não há, portanto, impedimento a que se promovam concursos a qualquer tempo no presente ano. A nomeação é que deverá respeitar o prazo fixado. O prazo de vedação começa três meses antes da data do 1.º turno das eleições de outubro (que ocorrem no primeiro domingo do mês) e termina, no Poder Executivo, em 1.º de janeiro e, no Poder Legislativo, em 1.º de fevereiro.

Também é importante dizer que a vedação é apenas na circunscrição da eleição, assim: nas eleições presidenciais, o país; nas gerais (Senador, Deputado e Governador), o estado e nas eleições municipais (Prefeito e Vereador), o Município. Portanto, como em 2014 teremos eleições gerais e presidenciais, nada impede que o Município, a qualquer tempo, promova concurso público e faça nomeações.

Também vale dizer que essas proibições só valem para cargos do Legislativo e do Executivo, que são os Poderes que possuem cargos eletivos. E, no caso do Executivo federal, não há vedação se o cargo pertencer a órgão da estrutura interna da Presidência da República. Desse modo, mesmo em ano de eleições gerais, como o presente, poderá haver nomeações, em qualquer mês, para cargos efetivos do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Tribunais de Contas.

Todavia, para o direito financeiro, temos uma pequena limitação para a realização do concurso público: a lei de responsabilidade fiscal, em seu art. 21, proíbe qualquer ato que provoque o aumento da despesa com pessoal nos cento e oitenta dias anteriores ao final do mandato do titular do respectivo Poder. Assim, o concurso público é possível no último ano do mandato do gestor, mas não pode acarretar aumento de despesa total com pessoal nos seus seis últimos meses.

O resto é lenda urbana ou desculpa esfarrapada.

Carlos Eduardo Lula é Consultor Geral Legislativo da Assembleia do Maranhão, Advogado, Presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/MA e Professor Universitário. e-mail: [email protected]. Escreve às terças para o Imparcial e Blog do Clodoaldo Corrêa.