A Vida como ela é

Por Carlos Eduardo Lula

Ainda jovem, antes dos dezoito anos, ingressara na universidade pública. Vindo de uma família classe média, aquela selva para ele era uma enorme novidade. As dificuldades financeiras de seus colegas, o abandono geral do Campus, a falta de compromisso de servidores, a política partidária contaminando as instituições. Tudo novo.

Aquilo simplesmente o fascinou. Ainda durante o curso conheceu o mundo da política partidária, através do Diretório Central dos Estudantes. Já lá pôde observar todas as contradições desse modo de atuação. Era um líder, todavia. Havia resolvido que faria diferente.

Estudou, fez pós-graduação fora do país, se preparou. Tinha um objetivo em sua vida: mudar o estado de coisas. Então depois de anos de estudo, resolveu entrar para a política partidária e deixar a promissora carreira de lado. Sua vida virou um suplício.

Simplesmente não conseguia espaço nos partidos e assistia atônito à total ausência de debates nas agremiações. Educação, saúde, segurança eram palavras jogadas ao vento. A única coisa que se discutia de fato era como conquistar votos e alcançar o poder.

O Marcos, um colega de universidade que nunca havia concluído os estudos, já era Deputado Estadual em segundo mandato e uma grande liderança. E ele? Ele, nada. Foi quando um grande amigo, apenas observador da cena política, deu a dica fundamental:

– Quer ganhar mesmo uma eleição? Você tem de fingir ser idiota.

Ele não entendeu num primeiro momento, quando então lhe apresentaram Nelson Rodrigues. O pensamento rodrigueano era mais ou menos o seguinte: outrora, os melhores pensavam pelos idiotas; hoje, os idiotas pensam pelos melhores. Criou-se uma situação realmente trágica: ou o sujeito se submete ao idiota ou o idiota o extermina. Até o século XIX o idiota era apenas O Idiota e como tal se comportava. Não tinha ilusões.

Até que um lindo dia os idiotas descobriram que eram em maior número e sentiram a embriaguez da onipotência numérica. E, então, aquele sujeito que, há 500 mil anos, limitava-se a babar na gravata, passou a existir socialmente, economicamente, politicamente, culturalmente. Houve, em toda parte, a explosão triunfal dos idiotas.

Então ele entendeu o que se passava. Tinha de ser mais um diante da multidão. Se fingisse ser algo diferente seria exterminado. “Ou o sujeito se submete ao idiota ou o idiota o extermina”, passou a ser seu mantra diário. Aquilo o dilacerava cotidianamente.

– Não posso agir assim, pensou. Foi então até seu amigo analista político dizer que estava desistindo da militância. A conversa encerrou quando ele disse: mentes, ainda é uma saída. É uma hipótese de vida.

Saiu de lá decidido. Iria simplesmente mentir.

Passou então a declarar coisas vagas como “temos de combater nosso estado de insegurança”, “precisamos melhorar a condição de nossos professores”, “sou a favor de uma revolução administrativa”, “vamos gerar milhares de empregos”. No lugar de críticas, aplausos. Os silêncios viraram comícios. Passou a usar bastante o Google. Sua fonte era também a wikipedia. Bastava não dizer.

Conseguiu filiação num grande partido, apoio de diversas lideranças e até o Marcos, agora candidato a Deputado Federal, já o apoiava como candidato a Governador. O primeiro debate, contudo, foi um fracasso.

Ela começou a falar que a desmoralização da política e dos políticos deveria preocupar a todos, porque a falência da política é a falência da democracia. Que a conclusão de que o que não está funcionando é a própria democracia é perigosa. Que o que falta é mais democracia, mais liberdade, mais igualdade e mais fraternidade. Ninguém entendeu nada. Não dava para bancar o idiota o tempo todo.

A equipe de marketing da campanha começou então uma série de diálogos com importantes setores da sociedade para apagar a má impressão. Na mesma semana do fatídico debate, foi para um café com um grupo capitaneado pela Sra. Dora Avante chamado “Socialaites Socialistas”. Achou que era algo do Luis Fernando Veríssimo mas mesmo assim foi.

Quando uma das presentes começou a criticar a falsificação de má qualidade das bolsas Vuitton no Brasil, em especial naquele estado periférico do Nordeste, pediu licença, saiu para chorar no banheiro e desde então nunca mais foi visto.

 

Carlos Eduardo Lula é Consultor Geral Legislativo da Assembleia do Maranhão, Advogado, Presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/MA e Professor Universitário. e-mail:[email protected]

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