Por Carlos Eduardo Lula
Sexta-feira, 06/03/2015. O Brasil espera apreensivo a lista dos políticos envolvidos na Operação “Lava Jato” da Polícia Federal. Divulgada a lista, Presidente da Câmara e do Senado entre os investigados e um número muito maior de autoridades do que o esperado. Coalizão governista irremediavelmente quebrada.
Segundo narra o Ministério Público Federal, a estrutura da suposta organização criminosa se dava em quatro núcleos: político, administrativo, econômico e financeiro. O núcleo político era formado principalmente por parlamentares que indicavam funcionários de alto escalão na Petrobras, os quais, por sua vez, recebiam propina das empreiteiras, que atuavam em cartel em obras da Petrobras.
As construtoras, por seu turno, passavam dinheiro para os operadores do esquema – os doleiros – que tinham a função de repassar esses valores para os políticos e diretores da Petrobras. Um intrincado esquema para viabilizar, a princípio, campanhas eleitorais dos maiores partidos do país.
A eclosão da “Lava Jato” parece ter fraturado de vez a coalizão governista que com o PT, sempre pareceu fadada a terminar com o término das eleições. A divisão do poder desta forma sempre resistiu porque aliada a uma grande popularidade dos presidentes e a uma grande gastança pública. Com a alta rejeição da Presidente somada à recessão econômica, que tende a piorar, a fratura atual da coalizão ganha contornos ainda não vistos.
Tempos difíceis e complexos, portanto, para o desenvolvimento da política. Sem dúvida, há muito a ser melhorado em nossa democracia, mas se simplesmente criminalizarmos a atividade política, numa indignação pra lá de seletiva, o risco que corremos é de piora do quadro institucional.
Explico. Sempre digo que não tenho nenhum otimismo sobre a natureza humana. Comungo da mesma crença de Maquiavel, para quem os homens são “ingratos, volúveis, simuladores, covardes ante o perigo, ávidos de lucro”. Esses atributos negativos da natureza humana fazem parte da realidade com a qual temos de lidar num Governo.
Para Maquiavel, a história repete-se sempre, com a ordem sucedendo a desordem, e a política tentando domesticar a natureza humana. Para ele, o poder é o único meio de enfrentar o conflito, ainda que de maneira precária e transitória. Mas a perversidade das paixões humanas sempre volta a se manifestar. De outro modo: não há governo imune à corrupção.
Por isso, o que temos de fazer diante da percepção que o sistema foi tomado por essa corrupção em seu coração? Melhorar os mecanismos de controle do poder, que se mostraram insuficientes com o passar do tempo. A história tem demonstrado que toda vez que acreditamos que por meio de juízos morais iremos melhorar a política, flertamos com regimes autoritários.
Ora, quando se “institucionaliza” uma política da virtude, os seus promotores têm de necessariamente se colocar na posição de modelos virtuosos. O moralismo político tem no seu âmago a crença numa elite de “professores da humanidade” a ditar normas morais para o restante dos seres humanos. Já alertava Hanna Arendt: é do cruzamento do poder político com a moral que brota a tirania. E a crítica vista atualmente no Brasil parece sempre flertar com modelos autoritários.
Mesmo com a “Lava Jato”, nem tudo está perdido, nem o mundo está acabado, nem o Brasil é o pior país para se viver. Pelo contrário, temos instituições sólidas e ter um Ministério Público independente, inclusive para investigar as mais altas autoridades da República, antes reforça do que desmantela nossa democracia. Termos a garantia de que as investigações ocorrerão sem abalos à estrutura ora vigente, é sinal de força de nosso regime.
O raciocínio dos que acreditam que jogar fora “tudo que está aí” resolverá nossos problemas padece de uma falha manifesta: esquecer que os seres humanos não são seres virtuosos, que não é possível “redesenhar” ou “reprogramar” as pessoas para atingirmos uma utopia sanitária qualquer, seja ela a higienização da política ou da vida.
O que marca o ser humano é sua limitação, seu vício, seu pecado. Não há Lei ou Rei no mundo que altere a matéria imperfeita de que somos feitos e desfeitos. Ou aproveitamos a dificuldade da nossa era para melhorar as nossas instituições ou simplesmente abriremos a porta para regimes tirânicos. A História está aí para demonstrar que esse é o dilema que atualmente se vive.
Carlos Eduardo Lula é Advogado, Presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/MA, Secretário Adjunto da Casa Civil do Governo do Maranhão e Professor Universitário. e-mail:[email protected]. Escreve às terças para o Blog do Clodoaldo Corrêa