Olavo criticou o MBL e Reinaldo Azevedo. “O pessoal comunista nunca mentiu a meu respeito tanto quanto essa turma da direita emergente”. E defende a ocupação de estados de poder fora do Estado (escolas, igrejas, centros comunitários) como esquerda sempre fez. “Ali que está o poder”.
Da BBC
Por João Fellet
Sobre a cama onde dorme, afixou uma espingarda Remington calibre 12. No cômodo vizinho, ao lado de uma caixa com brinquedos, espalhou mais de 30 rifles de caça. Em frente à mesa onde trabalha, pendurou pistolas e revólveres.
É dali que Carvalho faz as transmissões diárias de seu curso de filosofia, escreve para cerca de 500 mil seguidores nas redes sociais e trava os embates que o tornaram uma das figuras mais conhecidas e controversas da corrente que vem sendo chamada de nova direita brasileira – grupo ao qual, paradoxalmente, diz não pertencer.
“Eu quis que uma direita existisse, o que não quer dizer que eu pertença a ela. Fui o parteiro dela, mas o parteiro não nasce com o bebê”, afirma. “Estou contra o comunismo e quero que o Brasil tenha uma democracia representativa efetiva”, diz.
Nascido em Campinas (SP) há 69 anos, professor de filosofia sem jamais ter concluído um curso universitário e adepto da teoria de que a “a entidade chamada Inquisição é uma invenção ficcional de protestantes”, Carvalho acumula desafetos com a mesma intensidade com que é defendido por seus admiradores.
O filósofo recebeu a BBC Brasil na casa modesta de dois andares onde está morando num bairro arborizado de Petersburg, cidade histórica com 30 mil habitantes. Crítico feroz do PT, ele reagiu à queda de Dilma Rousseff com ceticismo. No Facebook, escreveu que o impeachment não passou de uma “manobra para a salvação da classe política”.
Elogia Michel Temer ao mesmo tempo em que diz considerar seu governo ilegítimo. “Sem dúvida, é melhor que a Dilma – pelo menos sabe falar português, é um homem de uma certa cultura – e não se pode negar que na área econômica está fazendo aguma coisa que tem de fazer mesmo.”
Mas diz que, vice na chapa de Dilma, o presidente “não tem rabo preso, ele é um rabo preso”, e que a dupla se reelegeu num pleito com “transparência nenhuma”. “O governo é 100% ilegítimo. Não estou dizendo que há ou houve fraude eleitoral, o sistema que montaram já era uma fraude.”
Estrutura de poder
Expulso o PT do governo, Carvalho diz que a direita brasileira começa a se organizar nas ruas. Perguntado a que se deve a transformação, responde em francês: “C’est moi” (Sou eu).
Segundo o escritor, foram seus livros que encorajaram outros conservadores a sair do armário. Mas ele diz que o país ainda não tem uma “representação institucional da direita”, como jornais diários, universidades ou partidos que defendam o liberalismo econômico e valores tradicionais.
“Você tem de um lado 20 partidos de esquerda e do outro um ou outro cara que se diz de direita, mas nem sabe direito o que é isso”, afirma, entre goles de café e cigarro entre os dedos.
Segundo Carvalho, a esquerda dominou a imprensa e as universidades brasileiras há várias décadas em estratégia que seguia o suposto ideário do marxista italiano Antonio Gramsci (1891-1937). O objetivo, diz ele, era criar uma “atmosfera mental” em que a população se tornasse socialista sem perceber.
“No fim, conquistaram tudo: os partidos políticos um por um, eliminaram todas as opções possíveis através de denúncias de corrupção, queimaram milhares de reputações, ficaram sozinhos no meio do campo e conquistaram a cereja do bolo, a Presidência da República”, diz.
O filósofo afirma que “atualmente é obrigatório estar na direita”, mas que não mantém “compromisso com nenhuma política em particular”.
Para ele, mais importante que tirar o PT do poder é “quebrar o sistema” e implantar no Brasil uma “democracia plebiscitária”, em que o governo submeta suas propostas a referendos constantes. O filósofo diz que o modelo foi aplicado na França por Charles de Gaulle, nos anos 1960.
Racha na direita
As opiniões de Carvalho sobre o impeachment agravaram um racha entre o escritor e outras vozes influentes da direita com quem ele manteve boas relações no passado, como o colunista da revista Veja Reinaldo Azevedo e o economista Rodrigo Constantino.
Para Azevedo, ao defender uma democracia plebiscitária, Carvalho propõe a mesma agenda que o PT gostaria de implantar no Brasil. Alguns analistas compararam o modelo ao que foi adotado por Hugo Chávez na Venezuela.
Em artigo em que chama o filósofo de “mascate da paranoia” e de “Aiatolavo” (em referência ao aiatolá, líder religioso dos muçulmanos xiitas no Irã), Azevedo diz que Carvalho “se alimenta do insucesso dos que lutam contra a esquerda”.
Para Carvalho, Azevedo e outros desafetos almejam ser representantes da direita e têm ciúmes de seu pioneirismo. “O pessoal comunista nunca mentiu a meu respeito tanto quanto essa turma da direita emergente”, diz.
“Eu não quero ser representante de direita nenhuma, só fiz meu serviço que era abrir o espaço para eles poderem falar. Naturalmente, quando você destampa, aparecem junto com as flores as cobras, aranhas, lagartos, lacraia, toda a porcaria vem junto.”
Carvalho também critica o Movimento Brasil Livre (MBL), que após militar pela queda de Dilma teve alguns de seus membros se lançando na política institucional. De acordo com o site do MBL, nove de seus integrantes se elegeram por cinco partidos diferentes (um deputado federal e oito vereadores).
Segundo o escritor, a direita deveria se concentrar em ocupar espaços não no Estado, mas “na igreja, nas escolas, nas sociedades de amigos do bairro, no clube: é ali que está o poder”.
“Os comunistas sempre souberam disso. O pessoal da direita chegou agora, leu três artigos do Olavo de Carvalho, já acha que sabe tudo e quer ser senador, presidente da República. Um bando de palhaços, evidentemente.”
O MBL não respondeu ao pedido da BBC Brasil para comentar a fala do filósofo. O Instituto Liberal e o Vem pra Rua, outras organizações influentes entre conservadores, tampouco quiseram se pronunciar sobre Carvalho e sua obra.