Em entrevista à Folha de S. Paulo, o governador Flávio Dino (PSB) falou sobre a fórmula que o ex-presidente Lula (PT) deveria adotar para ser eleito presidente, no ano que vem. Para o socialista, quanto mais centrista, melhor.
Diz quer a ampliação das alianças ao máximo tirando o peso do extremismo da eleição.
“A eleição de 2022 vai ser muito pior do que qualquer coisa que a gente já viu. É preciso ter uma oposição mais ampla, no sentido democrático, e construir os acordos políticos desde logo”, afirma Dino, que exclui apenas o radicalismo de direita num possível arco de alianças em torno de Lula.
O sr. então não compartilha a visão do Lula, de que a terceira via não existe? Basta olhar a história brasileira para ver que o que é atípico é o extremismo bolsonarista. Você pega todas as eleições presidenciais, de 89 a 2014, e vai encontrar uma disputa mais ou menos entre esquerda e centro-direita. Eu tenho uma posição política clara, sou militante de uma alternativa mais à esquerda.
O PSB já está decidido a apoiar Lula como o sr. defende? Ainda não. Vai ser um processo progressivo de construção de consenso. Ficou para abril do ano que vem, mas é a tendência mais forte. Depende também muito das atitudes do PT.
Que tipo de atitude, contrapartida em estados, por exemplo? Por exemplo. Evidente que o PSB é uma força política importante e por isso tem o dever de ter os seus projetos respeitados. A não ser que o PT estivesse muito beligerante. Se tiver uma atitude mais colaborativa, acredito que essa é a tendência mais forte. Vejo hoje que a visão dominante do PT é mais ampla, é aliancista.
Até onde deve ir a aliança de Lula? Eu não fixo fronteira, a não ser a que exclui o extremismo de direita. Se você tem um programa nacional-desenvolvimentista e democrático, quem se dispõe a fortalecê-lo é bem-vindo, independente da posição A ou B no passado.
É importante atrair o centrão? É muito difícil imaginar o centrão atuando em bloco. Tende a se fragmentar em vários caminhos. Uma parte minoritária ficará com Bolsonaro, uma parte estará com a terceira via e uma parte vai caminhar com Lula. A desidratação de Bolsonaro é inexorável. A partir de março ou abril do ano que vem, ele vai começar a perder muito apoio. As pessoas vão começar a olhar viabilidade e o seu estado. A política local vai ganhar mais força.
O sr. tem convicção de que Bolsonaro vai cair mais? Ele tem um piso sólido de apoio, não? Se dizia isso quando ele tinha 35%, depois quando tinha 30%, depois 25%. Sim, ele tem um núcleo imutável, mas não é algo que possa ser absolutizado, de dizer que ele não cai abaixo de 20%. O derretimento dele deriva da sua militância antidemocrática, que é lida pela população como apreço pela confusão. A população quer que governante governe, tem que trabalhar, dar expediente. O cercadinho, a motociata, é o avesso do que a população espera de um governante.
Nos últimos anos houve a ascensão de uma base conservadora no Brasil. É possível a Lula e seus aliados fazerem acenos para ela? Quanto mais centrista Lula for, melhor política e eleitoralmente. O Lula deve sinalizar para mediações, porque o risco que o Brasil corre é muito alto. O Bolsonaro é golpista. Tentou um golpe em setembro e tentará outro. Como a chave dominante na eleição vai ser a questão social, diferente da de 2018, creio ser possível que pessoas que são conservadoras em outros âmbitos da vida venham a considerar que o governo Lula trará mais estabilidade e uma equação melhor da temática social.
Fazer gestões junto a evangélicos, por exemplo? Os evangélicos não são um bloco homogêneo, tanto que o Lula já está ganhando entre eles. Eles estão presentes muito fortemente nas periferias, que estão sendo destroçadas pelo bolsonarismo. Nosso campo político vai ter amplo apoio entre os evangélicos. O que não significa em relação aos líderes.
Por que ainda há tanta resistência dos empresários a Lula? Há preconceito, mas se você analisar a realidade concreta, não vai encontrar base empírica para essa ideia de que a política econômica do Lula foi extremista. Não foi e não será.
Mas tem o fator Dilma. O fator Dilma tem de ser modulado no seu tempo. Ela governou quatro anos com ampla aprovação popular. Tanto que em 2014 ela se reelege. Nos anos de 2015 e 2016, não havia condições operacionais para o governo atuar, por problemas políticos.
A ideia de colocar um empresário de vice seria interessante? A questão da ampliação se resolve muito mais na postura do candidato do que na sua chapa. Claro que você pode ter um perfil complementar de vice, mas tem vários perfis cabíveis. A questão principal é como Lula se coloca como um mediador, um pactuador.
O aumento do Bolsa Família pode ajudar Bolsonaro a recuperar parte de sua popularidade no Nordeste? Primeiro que ninguém sabe se ele vai conseguir pôr de pé esse novo programa. O Bolsa Família é uma marca do lulismo. Mesmo que tenha algum programa social, ninguém deixará de votar no Lula. Pode alterar uma coisa ou outra, Bolsonaro pode parar de cair, mas reverter a queda de popularidade, seguramente não.
Há às vezes uma interpretação que minimiza a inteligência dos eleitores do Nordeste. Ninguém aderiu ao lulismo exclusivamente pelo Bolsa Família. Isso é uma leitura elitista. Há um conjunto de fatores, entre os quais o Bolsa Família. Você teve investimentos, obras, Luz Para Todos, ampliação de universidades, era um pacote de direitos inéditos. Essa é a força do lulismo.
Em 2018, houve um antipetismo muito forte e uma onda de direita. Ela pode se repetir em 2022? Certamente não. A agenda mudou, é Covid e questão social, emprego, fome. Em 2018 não havia um governo em julgamento, o presidente não era candidato. Isso levou a uma abertura de cenários. Hoje você tem um presidente no cargo candidato à reeleição. A agenda mudou num sentido mais promissor para o lulismo, porque tem a marca social vinculada de modo muito forte a ele.
Como o sr. vê o movimento do Ciro de caminhar para a centro-direita? É uma tentativa eleitoral que fracassará. O Ciro pode dizer o que quiser, ele sempre será visto como do nosso campo. Essa ideia de troca de torcida não vai funcionar. Ele foi ministro do Lula, foi contra o impeachment. O Ciro de 2018 não era à direita.
A Lava Jato vai ter peso ainda contra o PT e Lula? Vão continuar respondendo, mas em termos diferentes com relação a 2018, porque temos um fato objetivo, o Supremo e outras instâncias do Poder Judiciário declararam sucessivamente a inocência de Lula.
Mas por questões processuais, não de mérito. É uma questão binária. Quem não é culpado é inocente. É o princípio da presunção da inocência. Isso é um argumento muito forte. Esse tema aparecerá, claro, Bolsonaro vai tentar mencionar. Mas as condições em que Lula responderá a isso são muito melhores do que as que o [Fernando] Haddad teve em 2018.
Qual a agenda de reformas de um eventual governo Lula para o país em 2023? Qualquer agenda tem de começar pela tributária, que nunca quiseram fazer. Ela, sim, mexe no tema da desigualdade e nas condições para realização de investimento. Eu defendo o fim do ICMS, assim como do ISS, IPI etc. Uma tributação mais moderna, adotada em diversos países, é o chamado IVA. O ICMS não acaba porque tem uma montanha de benefícios fiscais pendurados.
Fim do teto, o sr. defende? Quem está acabando com o teto são [Paulo] Guedes e Bolsonaro. Acho que não precisa revogar a emenda, embora ela esteja duplamente errada: por estar na Constituição e por ter 20 anos de horizonte temporal. Você precisa de teto de gastos? Sim, claro. Precisa de responsabilidade fiscal? Sim, claro. Só não precisa estar na Constituição. Dizer pura e simplesmente que vai acabar com o teto está errado, você precisa de responsabilidade fiscal, porque senão destrói as condições de funcionamento do Estado. Defendo, portanto, um novo teto de gasto. Você precisa no mínimo ampliar as exceções ao teto.
E com relação à reforma administrativa? Só pode ser feita se envolver os três Poderes. Chega a ser obscena uma que se refira só aos servidores civis do Poder Executivo. A estabilidade deve continuar porque é uma garantia da independência do servidor. O que você precisa fazer é encontrar uma forma de punir o mau servidor. Mas acabar pura e simplesmente com a estabilidade seria um erro monumental. Eu penso numa estabilidade redesenhada, mas extinta, jamais.
Qual a sua preocupação com as ameaças à democracia e a à eleição do ano que vem? O risco antidemocrático é muito grande. O problema é o estamento armado. Uma eleição muito passionalizada tende a ter risco de violência muito grande. Isso é um elemento central para você definir a tática eleitoral, para uma conjuntura de enfrentamento ao extremismo golpista.
Vejo companheiros nossos da esquerda imaginando o cenário eleitoral de 2022 como se fosse a eleição de 1994, contra Fernando Henrique. Sequer é a eleição de 1989, contra o Collor. A eleição de 2022 vai ser muito pior do que qualquer coisa que a gente já viu. É preciso ter uma oposição mais ampla, no sentido democrático, e construir os acordos políticos desde logo.