Eles viveram os horrores da Guerra, viram muitos morrer, enfrentaram frio de -20°C e com mais de 90 anos, têm vivas as lembranças da batalha em solo europeu
Do Blog do Djalma Rodrigues
A Força Expedicionária Brasileira, conhecida pela sigla FEB, foi a força militar brasileira composta de 25.334 homens, responsável pela participação do Brasil ao lado dos Aliados na Campanha da Itália, durante a Segunda Guerra Mundial. Constituída principalmente por uma divisão de infantaria, historicamente é considerada o conjunto de todas as forças militares brasileiras que participaram daquela campanha. Adotou como lema “A cobra está fumando”, em alusão ao que se dizia à época que seria “Mais fácil uma cobra fumar cachimbo do que o Brasil participar da guerra na Europa.”
Foi no dia 2 de julho de 1944, teve início o transporte do primeiro escalão da Força Expedicionária Brasileira, sob o comando do general João Batista Mascarenhas de Morais, com destino a Nápoles. Pouca gente sabe, mas o chefe do Estado Maior do Exército naquela época, era o general Maurício José Cardoso, maranhense de São Luis. As primeiras semanas foram ocupadas se aclimatando ao local, assim como recebendo o mínimo equipamento e treinamento necessário, sob a supervisão do comando americano, ao qual a FEB estava subordinada, já que a preparação no Brasil demonstrou ser deficiente, apesar dos quase 2 anos de intervalo entre a declaração de guerra e o envio das primeiras tropas a frente. Muito embora entre os expedicionários combatentes se formasse um consenso no decorrer e após o conflito de que somente o combate é adequadamente capaz de preparar um soldado, independente da qualidade do treinamento recebido anteriormente.
De um contingente de 27.500 militares enviados à Itália, o Maranhão contribuiu com um grupo de 145 combatentes. Destes, apenas os tenentes Simão Pereira, Benedito Bernardo Nascimento e Anselmo Alves (presidente da Associação dos Ex-Combatentes), estão vivos.
Foi necessário o apoio do coronel Azevedo, que fez com que o trio participasse, juntamente com os jornalistas Djalma Rodrigues e Cinaldo Oliveira, para essa entrevista, no cassino dos oficiais daquela corporação.
Simão Pereira – Aos 94 anos, nascido na cidade de Cururupu, no Litoral Norte do Estado, Simão Pereira é o mais extrovertido dentre os companheiros. Bate continência a todo mundo, responde a indagações iniciais em italiano, dá tapinhas nas costas do interlocutor e está sempre com um sorriso estampado no rosto. Foi o único dos três a participar de combates. Simão afirma lembrar muito bem do que passou nos campos de batalha, experiência que lhe trouxe muitos ensinamentos. Destaca, que a pior experiência foi a de acompanhar a morte de vários companheiros ao seu lado, durante as refregas com os alemães.
Ele foi participante de uma das mais significativas operações dos militares brasileiros na II Guerra Mundial, que foi a tomada de Monte Castelo, no centro-norte da Itália. Esteve na batalha do dia 21 de fevereiro de 1945, quando os aliados conquistaram a região antes dominada pelos alemães. “Olha, foram quatro tentativas sem sucesso. Só na quinta é que nós mudamos de estratégia e conseguimos vencer. Precisávamos a qualquer custo tomar o Monte Castelo. Tive que me arrastar praticamente pelo monte inteiro com bombas explodindo sobre a minha cabeça. A batalha foi acirrada e muito sangrenta, na qual tombaram muitos dos nossos companheiros”, frisa.
Simão que a tomada de Monte Castelo foi a prova de fogo da FEB. “Só começamos a ser respeitados como combatentes depois que tomamos o monte”, assinala
Logo numa das primeiras refregas, Simão Pereira foi ferido na mão esquerda e por pouco não teve o membro amputado. Foi atingido por uma bomba e agradece à perícia de um médico americano, que evitou que viesse a ter a mão amputada. Durante a entrevista, ele mostra as cicatrizes.
Rigor do inverno
Para Simão, o rigor do inverno italiano naquele período foi um dos maiores desafios para os brasileiros, acostumados ao clima tropical. “Chegamos a enfrentar temperatura de 20 graus negativos. Imagine o que é isso para um nordestino”, indaga.
Ele afirma haver ingressado no Exército em 1940, Exército após um capitão, dizer que para trabalhar no comércio era preciso ter servido as Forças Armadas. Ele se alistou e em duas semanas estava fardado. Dotado de excelente preparo, conta eu nunca bebeu e nem fumou e era atleta.
Conta ainda que, ao retornar de uma competição no Ceará, encontrou um militar americano selecionando soldados para a Segunda Guerra.
Ele acrescenta que sempre gostou de desafios e que, por isso, se apresentou e foi selecionado, recebendo farda e armamento somente quando chegaram na cidade de Pisa. Mesmo com toda a experiência do campo de batalha, diz que a guerra é coisa insana e diz que o mundo deveria ser motivado pelo sentimento de paz.
Benedito Bernardo Nascimento – Mais jovens entre os três colegas, Benedito Nascimento tem 93 anos e nasceu no povoado Tubarão, município de Alcântara. Como qualquer jovem daquela época, buscou o serviço militar obrigatório e logo foi selecionado para ser integrante da Força Expedicionária Brasileira.
De gestos meticulosos, seja pela idade ou pela índole, tem a voz pausada. Não chegou a participar do teatro de operações de guerra, mas esteve na Itália. Destaca lembrar com extrema nitidez, do clima de tensão reinante no período, da movimentação durante os treinamentos do lamento de saudade de alguns soldados, das angústias e das manifestações de alegrias na tropa.
“A guerra é algo inexplicável, não vejo motivo nenhum, mas estava lá, para defender o mau País e faria a mesma coisa, se assim fosse necessária”, diz Benedito Nascimento. Ele acrescenta que dormiam num galpão em camas de madeira, sem nenhum conforto, esperando que fossem chamados a qualquer momento para uma batalha, o que acabou não acontecendo no regimento ao qual foi integrado.
“Estávamos sempre em estado de alerta, espertando sermos chamados. Conseguíamos nos comunicar com a família através de carta, mas a espera era muito demorada. Nosso melhor momento foi quando fomos chamados de volta, após a rendição dos alemães, ao final da Guerra, em 1945”, assinala Benedito Nascimento.
Todos os ex-combatentes ou pracinhas, foram agraciados com a graduação de subtenente ao fim, da guerra e passaram à reserva como tenentes e Getúlio Vargas garantiu a todos eles, empregos em órgãos públicos federais. Com Benedito Nascimento foi diferente e ele fala dessa história.
“Fiz prova para a antiga Guarda Civil (atual Polícia Civil) e fui reprovado nos exames de saúde. Fiquei revoltado e fui falar com o chefe da Guarda e lhe indaguei: -Para defender o meu País na guerra estou bem de saúde e para ficar na Guarda Civil estou doente?”.
Benedito diz que o chefe da Guarda Civil fez um ar de surpresa: – Ah, o senhor é ex-combatente? Está aprovado, pode voltar amanhã e assumir o seu emprego, está aprovado.
“Na realidade, eles estavam me reprovando era para dar lugar a um amigo. Mesmo assim, não cheguei a passar quatro meses na Guarda Civil. Não gostei do trabalho e, com a ajuda de um amigo, acabei sendo empregado na a Rede Ferroviária Nacional. Mas esse emprego não tem nada a ver com a lei de Getúlio Vargas, que garantia emprego pra todo pracinha em órgão do Governo Federal”, assinala Benedito Nascimmento.
Sobre a guerra, ele diz que é uma insanidade da Humanidade. Só quem foi a uma guerra sabe o que ela representa. Ela é o retrato do medo, da aflição e da selvageria. Não Deveria existir”, finaliza.
Anselmo Alves – Ele se destaca dos dois colegas pela envergadura. Com quase 2 metros de altura, Anselmo Alves tem 94 anos e nasceu na cidade de Viana. Sua história se difere de Simão e Benedito por um detalhe. Já havia dado baixa do Exército, quando foi convocado para integrar o grupo expedicionário brasileiro para a Segunda Guerra.
“Já estava noivo e o comando do Exército, cujo quartel ficava ali na Deodoro, onde hoje é o Liceu, me chamou. Lá me disseram que, se morrêssemos, noivas e esposas receberiam uma pensão. Embarquei sabendo que estava a serviço da Pátria. Poucos foram os que não se orgulharam de haver participado desse grupo”, diz Anselmo.
Com uma mente bastante apurada para a idade, Anselmo fala das angústias, das expectativas do seu grupamento, que também não chegou ao campo de batalha. “Era primeiro municiador de morteiro e diariamente estávamos em treinamento na floresta italiana. Meus ouvidos já haviam se acostumados aos fortes estampidos”, conta.
O ex-combatente diz, que assim como Simão e Benedito, não sofreu qualquer sequela psicológica da guerra. “Passamos 18 dias embarcados até chegarmos à Itália. Ouvíamos muitos rumores. Uns dando conta de que Hitler estava dominando a Europa e outros relatando o contrário. Lá, observei muitos companheiros em conflito espiritual.
“Nossos treinamentos eram puxados e às vezes tínhamos uma folga em final de semana, para irmos a um vilarejo em busca de diversão. Preferia ficar no alojamento”, enfatiza Anselmo. Ele destaca que no retorno ao Brasil, foi que verificou o que era realmente uma guerra.
“Nosso grupo não chegou ao confronto, mas alguns companheiros ficaram psicologicamente abalados. Um deles, cujo nome não recordo no momento, tentou o suicídio, puxando uma pistola para dar um tiro na cabeça, mas foi contido pelo grupo. Outros passaram a beber em demasia posteriormente. Nunca gostei de bebida e acho que é por isso que estou aqui, fazendo esse relato”, acrescenta o ex-combatente. Anselmo vive do soldo de tenente reformado e como aposentado da Receita Federal.
Para ele, a guerra deveria ser banida do dicionário de todas as nações. Ele prega a paz e rechaça o conflito armado.
(As entrevistas com os três ex-combatentes foram feitas para compor o acervo da Memória Audiovisual do Maranhão)
Boa tarde . Sou acadêmico do VII período de história da UEMA /CESI . Achei de muito valor essa entrevista para o meu projeoto de pesquisa, queria muito resgatar a memória dos pracinhas maranheses. Onde o senhor encontrou com os ex combatentes ? Usou algum documento para entrevista ? Quais ?
Na minha cidade Presidente Sarney na baixada mora um ex combatente!