Carlos Eduardo Lula*
Com o julgamento do REDE, pelo Tribunal Superior Eleitoral esta semana, o Brasil pode chegar à incrível marca de trinta e três partidos políticos no país. Quem vê atualmente nas democracias contemporâneas o poder sendo exercido pelos partidos políticos, tende a acreditar que sempre foi assim.
A história das agremiações partidárias, contudo, é recente e sempre foi permeada de grandes polêmicas. Na doutrina do Estado Liberal, principalmente entre os teóricos da monarquia constitucional, houve sempre grande aversão à existência dos partidos políticos.
Do século XVII até os dias atuais, a história dos partidos políticos nos revela como, a princípio, eles foram reprimidos, hostilizados e desprezados, tanto entre os teóricos como na prática das instituições. Não havia lugar para o partido político na democracia, era o que se afirmava. Hoje, a realidade é completamente oposta: não se pensa a democracia sem a existência dos partidos políticos.
Obviamente que o fenômeno partidário não está circunscrito aos regimes democráticos. Independente da configuração política, mesmo em regimes ditos totalitários, pode-se observar a existência dos partidos políticos na grande maioria dos Estados contemporâneos.
Na verdade, os partidos políticos não passam da junção de pessoas, com concepção semelhante do modo de organização da sociedade, que se reúnem em torno de um programa para gerir o Estado. Quando não buscam assumir o poder, pretendem, pelo menos, influenciar a gestão dos negócios públicos por meio da oposição, que nada mais é que a vigilância ao modo de governar a coisa pública.
Por tal motivo, não faz sentido a existência de partidos políticos que se coloquem contra o Estado Democrático de Direito ou contra o atual modelo político-representativo. Nenhum partido político pode pretender fazer “revolução” por meio de eleições. Submetendo-se às regras do jogo, todo partido que assuma o poder deve jogar conforme o regramento que lhe foi ditado anteriormente.
No Brasil, a vida política, no Império e nos primórdios da República, se fez à base de personalidades, de líderes políticos e caudilhos. Existiam homens que dirigiam correntes de opinião ou interesses, valendo-se apenas do partido como símbolo de aspirações políticas, nunca enquanto organizações de combate e ação, como nos lembra Paulo Bonavides.
Por aqui, os partidos políticos adquiriram dimensão nacional apenas a partir do Código Eleitoral de 1932, sendo tratados pela primeira vez na Constituição de 1934. Foram extintos na Constituição de 1937, com o advento do Estado Novo e a implantação de sua ditadura, quando ocorre um hiato de toda a vida partidária no país.
Os partidos renascem na Constituição de 1946 e não é exagero dizer que, a partir desse momento, temos a verdadeira existência de agremiações partidárias no país. Os cem anos antecedentes viram apenas agremiações que, à luz os conceitos contemporâneos, relativos à organização e funcionamento dos partidos, dificilmente poderiam receber o nome partidário.
Mas o Ato Institucional nº. 2, em 1965, extingue-os mais uma vez. Apenas em 1971 ressurgem, por meio da lei nº. 5.682, que os transforma em pessoas jurídicas de direito público interno. Finalmente, em 1988 tem-se o pluripartidarismo como garantia constitucional.
O atual regime de democracia por meio de partidos assume tal importância na contemporaneidade que mesmo as ditaduras institucionalizam os partidos políticos. Mas as agremiações partidárias são uma criação política da modernidade e, tal como ela, andam em crise.
Nos termos da Lei nº. 9.096/95, os partidos políticos destinam-se a assegurar, no interesse do regime democrático, a autenticidade do sistema representativo e a defender os direitos fundamentais definidos na Constituição Federal. Mas quem arriscaria dizer que se sente representado por algum dos trinta e três partidos políticos do país?
Infelizmente, salvo raríssimas exceções, que aí estão apenas a confirmar a regra, no Brasil não temos partidos, mas facções. Lá no século XVII, os autores afirmavam que as facções galgavam o poder quando a sociedade estava enferma. Nas facções, o interesse privado ocupava o lugar do interesse público. Elas buscavam o domínio da máquina partidária, tendo em vista submetê-la à sua política e aos seus interesses. Enquanto nossos partidos continuarem comportando-se como facções do século XVII, a história estará apenas se repetindo, agora como farsa.
Carlos Eduardo Lula é Consultor Geral Legislativo da Assembleia do Maranhão, advogado, presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/MA e professor universitário. Escreve para O Imparcial e Blog do Clodoaldo Corrêa às terças-feiras.
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