Jornalista baiano lembra poema de Gonçalves Dias ao enaltecer golaço de Cleitinho, do Sampaio

O golaço de antes do meio campo feito pelo meia do Sampaio Corrêa, Cleitinho, na vitória por 1 a 0 em cima do Bahia pela Copa do Nordeste, inspirou o jornalista baiano Marcelo Torres, que escreveu um artigo impecável sobre o tema reproduzido pelo Blog do Juca Kfouri, um dos maiores nomes da crônica esportiva nacional.

Mesmo com a vitória por 1 a 0, o Sampaio já entrou em campo eliminado da Copa do Nordeste e deu o mesmo destino ao Bahia. Mas o gol ficou para a história.

Um Gol Antológico

Por Marcelo Torres*

Amigos, eu vi. Foi um golaço, um gol antológico.

Certamente vai concorrer ao Prêmio Puskas, da Fifa, como o gol mais bonito do mundo neste ano.

Então vamos falar da Lampions League, apelido carinhoso da Copa do Nordeste.

Nordeste onde nasceu e morreu Gonçalves Dias [Caxias-MA, 1823; Guimarães-MA, 1864].

Foi um poeta brasileiro, e dos maiores. Quem não se lembra, por exemplo, dos versos da Canção do Exílio, poema românico que inspirou e inspira tantos outros poemas?

Minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá

As aves que aqui gorjeiam

Não gorjeiam como lá

Nosso céu tem mais estrelas

Nossas várzeas têm mais flores

Nossos bosques têm mais vida

Nossa vida, mais amores.

Jornalista, advogado, dramaturgo e etnógrafo, o maranhense Gonçalves Dias foi um expoente da corrente literária indianista, autor de outro célebre poema em língua portuguesa, o épico I-Juca Pirama, cujos últimos versos são os seguintes:

Assim o Timbira, coberto de glória, 

Guardou a memória 

Do moço guerreiro, do velho Tupi!

E à noite, nas tabas, se alguém duvidava 

Do que ele contava, 

Dizia prudente: – Meninos, eu vi!

Meninos, eu não vi a peleja de São Luís, no Maranhão, entre o Sampaio Corrêa e o Bahia. Porque, no mesmo horário, via o Vitória, o meu Vitória, sofrer para empatar com o Náutico, o Timbu, clube do coração do meu amigo Roberto Vieira.

Curiosamente, mesmo sem vencer uma partida (sete pontos, sete empates), o Vitória conseguiu classificar-se para as quartas-de-final, como 4º colocado do grupo A, onde o último do grupo B se classificaria (mas isso é outra história).

O Sampaio Corrêa — que é o atual campeão nordestino, em cima do próprio Bahia — já estava eliminado e levou a campo meio-time de reservas. Ainda assim, suplantou o amplo favoritismo do Bahia, que, com o revés, foi eliminado da competição.

Meninos, eu vi.

Uma vez, duas vezes, dez vezes vi o gol.

E que gol foi aquele, hein? Foi um gol antológico, dos mais bonitos dos últimos anos, uma obra-prima assinada por um certo Cleitinho.

Cleiton Cortês de Souza é seu nome, tem 1,69 de altura (daí o apelido), nasceu em Santa Rita, interior do Maranhão, em 1990.

Com 29 anos de idade, havia feito até ontem apenas 19 gols em toda a vida profissional (Gilberto, do Bahia, só nos três primeiros meses deste ano já balançou as redes 13 vezes).

Entre os 17 e 20 anos de idade, Cleitinho peregrinou pelas divisões de base de quatro clubes no Brasil: Nacional, da terceira divisão do Paraná; Americano, da segunda divisão do Maranhão; e pelo sub-20 do Grêmio e do Palmeiras, mas em nenhum foi aproveitado.

Como profissional, teve breves passagens pelo Manaus, clube do Amazonas, e River, do Piauí, mas seu destino no futebol atendia por um nome de duas palavras: Sampaio Corrêa.

E ontem foi o seu dia de glória. Com certeza ele nunca vai esquecer esse 30 de março de 2019 e aquele lance, que aqui será narrado em slow motion.

O relógio marca exatos 44e55 do 1º tempo, o Bahia cobra um tiro livre, há um perde-ganha na área, a bola perereca, espirra e sobra na meia-lua do time anfitrião.

Cleitinho, que é meia-direita e está ali esperando a sobra, pega a redonda e, com apenas um toque para frente, de contra-ataque, dá um lençol em Ramires, do Bahia. A redonda rola rapidinho pela intermediária. Nesse cagagésimo de segundo, ele levanta a cabeça, vê que o goleiro está adiantado e dali mesmo, do seu campo, antes do grande círculo, solta um pombo-sem-asa.

A redondinha vai viajando, viajando caprichosa, pelo alto, o arqueiro tricolor volta correndo, desesperado, ainda voa, se estica todo, mas não consegue alcançar a bola, que solenemente vai beijar as redes tricolores e decretar o placar: Sampaio 1 x 0.

No segundo tempo, depois eu vi nos melhores momentos, o mesmo Cleitinho, animado com a obra-prima que fizera, quase marca outro golaço, com uma bomba que bateu na trave e saiu em tiro de meta.

Mas Cleitinho não precisava fazer mais nada.

Nos embalos deste sábado à noite, o gol antológico correu mundos, compartilhado por milhares de pessoas pelas redes sociais. Depois dessa obra de arte, só nos resta dedicar a Cleitinho os últimos versos da canção épica do seu conterrâneo  Gonçalves Dias:

Assim o timbira

coberto de glória

Guardava a memória

Do moço guerreiro

do velho tupi

E à noite nas tabas,

se alguém duvidava

Do que ele contava

Tornava prudente:

Meninos, eu vi.

*Marcelo Torres é jornalista, baiano, torcedor do Vitória, mora em Brasília.

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