Por Carlos Eduardo Lula
Na semana que passou, fomos surpreendidos com a notícia de que o Senador José Sarney iria ser candidato a Senador pelo Estado do Maranhão nas eleições de 2014. Rapidamente a notícia se espalhou como se fosse verdade, sem antes os propagadores da notícia terem tido o cuidado de bem observar as disposições constitucionais sobre o tema.
Pois bem, o Senador José Sarney, representante do estado do Amapá, não poderia, ainda que o quisesse, ser candidato pelo estado do Maranhão, por duas razões: a) teria de ter transferido seu domicílio eleitoral com um ano de antecedência, providência que não ocorreu; b) em razão de sua filha ser Governadora do estado, o Senador encontra-se inelegível para as eleições no estado.
Surpresos? Mas é essa a previsão do §7º do art. 14 da Constituição Federal: são inelegíveis no território de circunscrição do titular, os cônjuges e os parentes consanguíneos ou afins, até segundo grau ou por adoção, do Presidente, do Governador de Estado, Território ou Distrito Federal, do Prefeito ou de quem os haja substituído nos seis meses anteriores ao pleito, a não ser que seja titular de cargo eletivo e candidato à reeleição.
Ou seja, por ser pai da Governadora do estado, portanto, seu parente em primeiro grau, e ela não ter se desincompatibilizado no período de seis meses anteriores à eleição, o Senador José Sarney, ainda que tivesse transferido seu domicílio eleitoral, restaria inelegível para as eleições de 2014.
Explicamos. Esta inelegibilidade é reconhecida como “inelegibilidade reflexa” ou “inelegibilidade por motivo de parentesco”. Tal regra visa o fortalecimento da democracia, uma vez que pretende aniquilar estruturas oligárquicas mediante a progressiva abolição dos privilégios de todo gênero. Com a proibição da hereditariedade do poder político, repudia-se o modelo monárquico, prevenindo a personalização e o abuso das estruturas e instituições públicas em benefício particular.
É que com a ideia de República aglutinam-se a democracia e a igualdade, rejeitando-se práticas que pretendam monopolizar o acesso aos mandatos eletivos, comprometendo a legitimidade do processo eleitoral. A República não se compactua com a manutenção de uma mesma família como representante popular por anos a fio, característica mais próxima às monarquias.
Portanto, o objetivo da regra contida no §7º do art. 14 da CF/88 é neutralizar a influência e o prestígio que os parentes mais próximos do titular de um mandato eletivo possam ter junto ao eleitorado, de modo que pouco importa se o cônjuge ou parente são do mesmo partido político ou se são ou não adversários políticos. Imaginemos o caso do Senador José Sarney ter virado adversário político de sua filha. Ainda assim ele restaria inelegível, até mesmo porque o suposto parente-adversário de hoje pode ser o parente-aliado de amanhã e aí restaria burlada a regra.
Assim sendo, os cônjuges e os parentes consanguíneos ou afins, até segundo grau ou por adoção, do Presidente, do Governador de Estado, Território ou Distrito Federal, do Prefeito ou de quem os haja substituído nos seis meses anteriores ao pleito são atingidos pela regra.
No texto da Constituição, todavia, há claramente uma exceção à regra aludida: se o cônjuge ou o parente já for detentor de mandato eletivo e pretenda concorrer à reeleição, não há a incidência da inelegibilidade inata aqui referida.
Assim, se temos um Senador pai de um governador, ele só pode concorrer a novo mandato de Senador. Mas não poderá concorrer à eleição da Assembléia Legislativa ou da Câmara dos Deputados, porque estará inelegível para esses cargos. Mas e se esse Senador o seja por outro Estado da Federação e após transferir seu domicílio eleitoral pretenda disputar novamente as eleições ao Senador pelo Estado onde sua filha governa, isso seria possível?
A resposta há de ser negativa, porque não estaremos a falar de reeleição, mas de uma nova eleição para o mandato de deputado federal por uma nova circunscrição eleitoral. São os termos da jurisprudência do TSE (Res. nº 19.970, de 18.9.97, rel. Min. Costa Porto).
Como se vê, portanto, a ideia de que o Senador José Sarney poderia ser candidato pelo estado do Maranhão não passa de boataria que assola a sociedade às vésperas de todo processo eleitoral.
Carlos Eduardo Lula é Consultor Geral Legislativo da Assembleia do Maranhão, Advogado, Presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/MA e Professor Universitário. e-mail: [email protected] . Escreve às terças para O Imparcial e Blog do Clodoaldo Corrêa