Por Carlos Eduardo Lula*
A vida política do Maranhão foi decidida nos últimos anos com inegável interferência da Justiça Eleitoral. Tivemos um Governador apeado do poder no ano de 2009, a seguinte eleição governamental também contestada sua legitimidade perante o Judiciário, inclusive com parecer do Ministério Público por sua procedência.
Nos dois casos, ações com nomes esquisitos, que tomaram a boca da população: RCED, as iniciais para o pomposo nome completo da ação: “recurso contra a expedição de diploma”. Este instituto, com nome e procedimento de recurso, mas que na verdade é uma ação, está previsto no art. 262 do Código Eleitoral e vinha sendo utilizado desde a década de sessenta do século passado, sem qualquer tipo de contestação.
Na última semana, contudo, o mundo jurídico foi tomado de espanto no julgamento do RCED 884 pelo Tribunal Superior Eleitoral. Nele, buscava-se a cassação do mandato do Deputado Francisco Assis Carvalho (PT-PI). Ninguém discutia a constitucionalidade da ação até o Relator, Ministro Dias Toffoli, levantar essa preliminar. Por maioria de votos (4×3), o TSE entendeu que o inciso IV do art. 262 do Código Eleitoral não teria sido recepcionado pela Constituição e que tais ações deveriam ser aproveitadas como Ações de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME), com outro procedimento e em outra instância.
Mantido tal entendimento, o contexto político local se alteraria. De um RCED prestes a ser julgado, teríamos o seu encaminhamento ao Tribunal Regional Eleitoral, para que então proferisse o julgamento. Críticas e teorias conspiratórias surgiram de todos os lados, a demonstrar, de forma clara, a delicada função do Poder Judiciário ao cassar eleitos pela população.
Em tais situações, tenho sempre defendido o papel da Justiça Eleitoral. Tanto mais democrático o processo, quanto maiores e mais eficazes os seus sistemas de controle. Mesmo os atos praticados pelos órgãos de representação popular, ainda que com apoio da própria população, podem ser objeto de crítica e controle, porquanto a predominância da maioria só deve ser aceita dentro de um quadro de respeito à legalidade.
E é esse, afinal, um dos objetivos da jurisdição: a sobrevivência e a proteção das minorias governamentais, de modo que o Judiciário passa a atuar enquanto um órgão de composição de conflitos políticos, numa verdadeira contenção ao princípio da maioria, já que nenhuma decisão pode estar imune a controles democráticos.
Ninguém se sobrepõe, nem mesmo os grupos majoritários, aos princípios superiores consagrados pela Constituição da República. E nesse sentido, a democracia também garante a segurança de expectativas das pessoas: todas as Instituições hão de respeitar o ordenamento jurídico e as posições jurídicas de seus cidadãos. Assim, é possível afirmar que é também papel da Justiça Eleitoral ser garantidora do regime democrático, ao mesmo tempo em que é garantida por ele.
O que quero afirmar é que a possibilidade de mandatos serem cassados faz parte das regras do jogo. Como dito, num regime democrático, a vontade política da maioria governante de cada momento não pode prevalecer em detrimento da Lei. Ao revés, ela submete-se à legislação.
Mas não podemos ter situações idênticas tratadas de forma distinta pelo Poder Judiciário. A mudança abrupta de um entendimento desmerece o Judiciário, a classe política e traz enorme desconfiança por parte da sociedade. Numa noite em que um dos membros deixava a Corte e sem ouvir sequer o Ministério Público, o TSE não poderia ter jogado fora um entendimento que vem desde 1965.
A segurança jurídica é postulado que se deduz do texto constitucional (art. 5º, XXXVI, XL e art. 150, III, CF/88), de modo que deve ser possível adquirir certeza e previsibilidade das relações judiciais. O cidadão não pode dirigir-se ao Poder Judiciário com a mesma expectativa que vai a uma casa lotérica. Numa premissa: proteção da confiança.
Carlos Eduardo Lula é Consultor Geral Legislativo da Assembleia do Maranhão, Advogado, Presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/MA e Professor Universitário.
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