Por Carlos Eduardo Lula
Alexandre
Alexandre era médico. Mais que isso, o melhor médico da cidade. Graduado aos vinte e dois anos, ao chegar aos trinta já terminava o seu pós-doutorado. Voltara à cidade onde nascera para agora poder exercer o seu ofício. Tinha orientado toda sua vida ao trabalho e aos estudos. Um cientista, incrédulo em Deus e no acaso.
E se alguém dissesse que o imponderável não é destino e nem mistério e que faz parte do jogo e da vida, logo ele retrucava. – Mas são lances corriqueiros, frequentes, não sabemos onde e quando ocorrerão. O imponderável não torce para ninguém, ele acontece simplesmente.
– Dar importância ao imponderável é trair a ciência e seus conhecimentos, afirmava.
E seguia sua vida, inteiramente absorto nos mistérios da ciência.
Camila e Fernando
Eis que na sua volta à cidade natal, se reencontra com Camila, amiga de tempos colegiais por quem fora apaixonado. E você que as paixões juvenis quando ressurgem, o fazem de modo avassalador. Mas havia um, ou melhor, dois problemas nessa relação. Camila era evangélica e seu credo era totalmente incompatível com as convicções de Alexandre.
Quanto a esse ponto, Alexandre tratou logo de resolver. Não falava de religião, não se referia a Deus e respeitava as crenças de sua amada. Por ela, inclusive jurou não cometer o pecado da carne até o casamento.
– Em três meses estarei casado. Posso aguentar tranquilamente até lá.
Mas eis que surge um segundo problema, Fernando, que passara a frequentar a mesma Igreja de Camila. Longe da cidade há tanto tempo quanto Alexandre, tinha com ele convivido na escola. Era seu perfeito oposto. Enquanto um estudava, o outro jogava bola; enquanto um tinha a companhia dos livros, o outro tinha a das meninas.
Vivendo uma vida errante, veio buscar reabilitação na Igreja. E Camila foi seu primeiro anteparo. Assim que soube do encontro entre ambos, Alexandre tratou de ter uma conversa grave com a noiva. Puxou um cigarro e disse:
— É o seguinte: de hoje em diante, ouviu? De hoje em diante, tu vais acabar com qualquer tipo de relação com o Fernando, entendeu?
Admirou-se:
— Mas por que, meu amor?
Ele explicou:
— Porque o Fernando é um cínico, um crápula, um canalha abjeto. Um sujeito que não respeita ninguém, dá em cima de cunhada, de sogra, de nora, de quem quer que seja. Afaste-se dele!
A obsessão
Camila ficou impressionadíssima. Dava-se com o Fernando, sem intimidade, mas cordialmente. De fato ele era simpático, mas ao saber que ele era capaz de “dar em cima de uma cunhada”, igual os canalhas de Nelson Rodrigues… Sentiu algo diferente.
O assunto virara uma obsessão a Alexandre. A cada oportunidade ele reafirmava o seu asco ao colega de infância.
— Meu amor, tu sabes que eu não tenho ciúmes. Não sabes? Só tenho ciúmes do Fernando, o maior canalha, talvez o único canalha vivo do Brasil.
— É verdade isso mesmo?, perguntava a inocente noiva.
— Você é muito boba, muito inocente, nunca teve outro namorado senão eu. Queres um exemplo? Sou teu noivo, vou casar contigo. Muito bem. O que é que houve entre nós dois? Uns beijinhos, só. É ou não é? E você acha que o Fernando te respeitaria? Nunca! Jamais! O Fernando avista uma mulher e já tira sua roupa com os olhos.
Não pode existir homem assim, pensava Camila.
O Casamento
E na véspera do casamento, Alexandre revela finalmente o motivo de tanta obsessão. – Meu bem, Fernando me roubou todas minhas namoradas, menos você. Deu um beijo na testa da noiva e saiu. Mal sabia ele que Camila tinha já deixado se envolver, às escondidas, com Fernando. E naquele dia, véspera do casório, sairia com ele.
O Acaso
E Camila, a intocada, encontra-se finalmente com Fernando, às pressas, num motel da cidade. Não querendo que ninguém a veja ou saiba o que aconteceu, apressa o amante que pega sua moto e sai do estabelecimento em desabalada carreira. É abalroado por um carro ao sair do motel.
Ao chegar no local do acidente, diante dos corpos, Alexandre senta-se no meio-fio e põe-se a chorar.
Carlos Eduardo Lula é Consultor Geral Legislativo da Assembleia do Maranhão, Advogado, Presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/MA e Professor Universitário. e-mail:[email protected] . Escreve às terças para o Blog do Clodoaldo Corrêa