Por essas ironias do destino, na data de ontem celebramos (?) 50 anos do Golpe de 1964, no mesmo dia em que comemoro meu aniversário. Mas deixando de lado o infortúnio do meu natalício ser comemorado no mesmo dia do fatídico fato, devemos relembrar 31 de março de 1964 como ele realmente foi.
O 31 de março de 1964 foi um golpe militar que impôs a pior ditadura da história do Brasil, com tortura, mortes e censura. Sim, o que se estabeleceu em 1964 não pode ser caracterizado de outro modo.
Causa-me extrema preocupação uma revisão negacionista que tem ganhado corpo no Brasil. Marco Antonio Villa, por exemplo, acaba de lançar obra em que afirma textualmente que não é possível chamar de ditadura o período de 1964 até 1968, diante da movimentação político-cultural existente. Muito menos chamar de ditadura os anos 1979-1985, com a aprovação da Lei de Anistia e as eleições para os governos estaduais em 1982. Para ele, vivemos um pequeno período após o AI-5 que pode ser considerado ditadura. A ditadura não foi tão ditadura assim. Nada mais aterrorizante.
Uma possível releitura desse período seria apontar para o apoio dos civis aos primeiros momentos do Golpe. Não mais que isso. O golpismo não foi só dos militares, mas também dos civis.
Depois da tomada do poder pelas Forças Armadas, a imensa maioria da população acomodou-se e até aplaudiu. Com o passar dos anos e os excessos praticados pelo regime, a tendência nacional posicionou-se contra o mesmo.
Para isso, transcrevo alguns jornais de cinquenta anos atrás, que bem traduzem o sentimento da sociedade à época:
Ressurge a Democracia! Vive a Nação dias gloriosos. Porque souberam unir-se todos os patriotas, independentemente das vinculações políticas simpáticas ou opinião sobre problemas isolados, para salvar o que é de essencial: a democracia, a lei e a ordem. (O Globo – Rio de Janeiro – 4 de Abril de 1964)
Multidões em júbilo na Praça da Liberdade. Ovacionados o governador do estado e chefes militares. O ponto culminante das comemorações que ontem fizeram em Belo Horizonte, pela vitória do movimento pela paz e pela democracia foi, sem dúvida, a concentração popular defronte ao Palácio da Liberdade. Toda área localizada em frente à sede do governo mineiro foi totalmente tomada por enorme multidão, que ali acorreu para festejar o êxito da campanha deflagrada em Minas (…), formando uma das maiores massas humanas já vistas na cidade. (O Estado de Minas – Belo Horizonte – 2 de abril de 1964)
Desde ontem se instalou no País a verdadeira legalidade … Legalidade que o caudilho não quis preservar, violando-a no que de mais fundamental ela tem: a disciplina e a hierarquia militares. A legalidade está conosco e não com o caudilho aliado dos comunistas. (Editorial do Jornal do Brasil – Rio de Janeiro – 1º de Abril de 1964)
Milhares de pessoas compareceram, ontem, às solenidades que marcaram a posse do marechal Humberto Castelo Branco na Presidência da República …O ato de posse do presidente Castelo Branco revestiu-se do mais alto sentido democrático, tal o apoio que obteve. (Correio Braziliense – Brasília – 16 de Abril de 1964)
O Brasil já sofreu demasiado com o governo atual. Agora, basta! (Correio da Manhã – 31/03/64 – Do editorial, BASTA!)
Quando a sociedade se deu conta, já era tarde. Junto com qualquer ditadura vêm a truculência, o arbítrio, a tortura e a censura. Querer minimizar crimes contra a humanidade, como os ocorridos nesse período, é contribuir para não exorcizarmos de vez os fantasmas de 1964.
Carlos Eduardo Lula é Consultor Geral Legislativo da Assembleia do Maranhão, Advogado, Presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/MA e Professor Universitário. e-mail: [email protected] . Escreve ás terças para O Imparcial e Blog do Clodoaldo Corrêa