Por Carlos Eduardo Lula
Nunca a expressão cunhada por Sérgio Abranches nos idos de 1988 revelou-se tão atual. Tentando identificar o sistema político que se formava a partir da Constituição Federal de 1988, o cientista político passou a afirmar que vivíamos aqui um “presidencialismo de coalizão”.
O “presidencialismo” referencia-se, obviamente, ao nosso sistema de governo, mas a sua junção à palavra “coalizão” traduzia o sentido de funcionamento do regime político-institucional brasileiro.
É a que a tal “coalizão” referia-se aos acordos entre partidos políticos — normalmente visando à ocupação de espaços nas esferas governamentais — e alianças entre forças políticas outras da sociedade para o alcance do poder. Em um sistema em que há quase quarenta partidos como o nosso, dificilmente o partido do Presidente possuirá maioria no Parlamento. O PT elegeu 70 deputados federais ao passo que o PSDB elegeu 54, de um universo de 513 parlamentares, apenas para exemplificar.
A aprovação de qualquer pauta legislativa, portanto, dependerá de uma aliança com os demais partidos e forças políticas do Congresso Nacional. Assim, seja Dilma, seja Aécio, o eleito terá de buscar uma coalizão primeiramente para sustentar seu Governo, dando-lhe suporte político no Legislativo. Num segundo momento, para tentar buscar na coalizão a possibilidade de construir e formular políticas públicas que imprimam o seu modo de administrar.
É dizer, o Executivo depende para a consecução de seu projeto político sobremaneira do Poder Legislativo. E para obter esse apoio, é necessário e indispensável, no atual modelo brasileiro, de uma aliança com os mais diversos partidos, nem sempre em bases sólidas, nem sempre baseada em princípios republicanos.
O Governo Dilma Rousseff, que possuía como apoiadores algo em torno de 400 deputados dos 513, teve diversos embates com sua “base aliada” para a aprovação de uma série de projetos. Em diversas ocasiões o governo foi derrotado mesmo com tamanha “coalizão”.
Longe de revelar apenas uma falha na articulação política, esse quadro não é particularidade do governo do PT ou do PSDB, mas uma questão estrutural, ligada à arquitetura de nosso sistema governamental. Para garantir a maioria no Congresso, o Presidente negocia espaços no Governo, para formar um Ministério que represente essa junção de forças. Haverá sempre insatisfeitos, de modo que a manobra também se volta aos cargos de segundo e terceiro escalões.
Como o acordo não se estabelece em termos transparentes, de tempos em tempos tal coalizão fica sujeita a crises e a relação entre Executivo e Legislativo pode apresentar dificuldades. É também fruto desse modo de formação de maiorias que grandes escândalos da República ocorreram e vieram à tona. Dói saber que o terrível caso da Petrobrás é apenas mais um dos muitos que ainda ocorrerão, qualquer que seja o eleito.
A conclusão é bem simples, portanto: a formação das maiorias governistas no Brasil pós-88 encontra-se prisioneira dos dilemas do presidencialismo de coalizão. E não há no horizonte perspectiva que tal engenharia se modifique sem uma reforma política que ataque as causas e não apenas as consequências das mazelas do sistema.
As propostas de ambos os candidatos a Presidente nesse ponto são risíveis e possuem a profundidade do sistema Cantareira em São Paulo, ávido por qualquer gota d’água. O modelo de política adotado pelo PT e PSDB, portanto, parece ter falido. Com o país dividido como está, só se beneficia da eleição quem sustenta e é sustentado pelo atual sistema.
Fica a parecer que o fisiologismo não é mais parte, mas o próprio sistema político eleitoral, sua razão de ser. Eduardo Cunha, deputado federal reeleito pelo Rio de Janeiro, atual líder do PMDB e candidato a Presidente da Câmara dos Deputados, já deixou claro que o seu partido estará ao lado do governo, seja eleito Dilma ou Aécio. O único vencedor da eleição presidencial, até o momento, são os vícios da nossa política, tendo o PMDB como ícone e modelo. A governabilidade tem um preço e ele sairá caro, muito caro, quer vença Dilma, quer vença Aécio.
Carlos Eduardo Lula é Consultor Geral Legislativo da Assembleia do Maranhão, Advogado, Presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/MA e Professor Universitário. e-mail:[email protected]. Escreve semanalmente para o Blog do Clodoaldo Corrêa.