No Brasil, a organização das eleições e a diplomação dos membros dos Poderes Executivo e Legislativo ficam a cargo exclusivamente do Poder Judiciário. Mas nem sempre foi assim. Na República Velha, por exemplo, nosso processo eleitoral era conduzido pelo Poder Legislativo e havia múltiplas interferências na liberdade do voto, através de práticas como a do coronelismo e da chamada política dos governadores.
Historicamente está comprovado que a lisura e probidade das eleições exigem sua realização por um terceiro órgão estatal, desinteressado e imparcial, fora da órbita dos poderes envolvidos no pleito, de sorte que pode ele decidir as contendas eleitorais despido das paixões que constantemente revestem o procedimento eleitoral nas democracias contemporâneas.
O modelo adotado atualmente no Brasil, comparado com o que ocorria há menos de um século, deve ser considerado, portanto, um grande sucesso. A Justiça Eleitoral atual foi fruto da Revolução de Trinta, que teve como um dos seus objetivos a moralização do procedimento eleitoral. Sua criação ocorreu em 1932, no governo de Getúlio Vargas, sob inspiração do Tribunal Eleitoral tcheco, de 1920, idealizado por Kelsen, que unificou a legislação eleitoral e concedeu autonomia para que o Poder Judiciário realizasse as eleições.
Incluída como parte do Poder Judiciário da União (art. 92, CF/88), a Justiça Eleitoral não tem uma estrutura própria, funcionando com juízes de outros órgãos, do primeiro aos graus superiores. Tem também outras tantas peculiaridades: órgãos de primeira instância colegiados (as juntas eleitorais) e a proibição de os Tribunais subdividirem-se em câmaras. Todas suas decisões, administrativas ou judiciais, são tomadas pelo pleno. A Justiça Eleitoral tem como órgãos o Tribunal Superior Eleitoral, os Tribunais Regionais Eleitorais, os Juízes Eleitorais e as Juntas Eleitorais.
Mas aqui pretendo falar especificamente sobre a composição dos Tribunais Regionais Eleitorais. Cada Tribunal Regional Eleitoral é composto por sete membros. Dois são escolhidos entre desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado e dois entre Juízes de Direito. Em ambos os casos, é o próprio Tribunal de Justiça que os escolhe, mediante eleição e voto secreto. Um membro do TRE será escolhido entre desembargadores federais da região, desde que o TRF tenha sede na Capital do Estado ou no Distrito Federal. Se não for o caso do Distrito Federal ou de Estado que seja sede de Tribunal Regional Federal, será escolhido um juiz federal para composição da Corte.
Também compõem os Regionais dois advogados de notável saber jurídico e idoneidade moral, indicados pelo Tribunal de Justiça dos Estados-membros ou do Distrito Federal em duas listas tríplices, nomeados pelo Presidente da República e não pelo Governador do Estado. Na indicação dos juristas, não há qualquer participação do órgão de representação da classe dos advogados (OAB). A lista organizada pelo Tribunal de Justiça deve ser encaminhada ao TSE, que, após as formalidades de praxe, encaminha ao Poder Executivo para nomeação.
Contudo, a temporariedade dos mandatos dos membros da Justiça Eleitoral é problemática. Isso porque não há magistrados ou promotores permanentemente investidos nas funções eleitorais. Assim, não há concurso público para o preenchimento destes cargos. O juiz e o membro do Ministério Público, já investidos nestas funções através de concurso público, exercem por dois anos no mínimo e nunca por mais de dois biênios consecutivos as funções eleitorais.
E é nesse ponto que temos o maior problema. Se por um lado o revezamento oxigena constantemente a Justiça Eleitoral, por outro não permite a estabilização de suas decisões. O tempo inteiro convive-se com a insegurança e a incerteza, o que é terrível para a sociedade.
Como temos dito, não importa o que pensam os juízes. A decisão é um ato de responsabilidade política. Direito não é moral e nem vontade individual do aplicador. O magistrado não escolhe, ele decide. E quando o juiz decide, ele decide conforme o direito. Se o magistrado não é escravo da Lei, ele também não é dono dela. Se há algo a se repensar numa reforma política, é o modo de composição dos Tribunais Eleitorais.
Carlos Eduardo Lula é Consultor Geral Legislativo da Assembleia do Maranhão, Advogado, Presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/MA e Professor Universitário. e-mail:[email protected] . Escreve para o Blog do Clodoaldo Corrêa todas as terças.