Por José Bernardo Rodrigues*
Certa manhã, em meu gabinete, nesta Capital, recebi uma Senhora que queria saber por que a condenação de seu filho tinha sido igual a de um Fulano de Tal, no mesmo processo.
Semblante sério, decidida, parecia um tanto revoltada.
Disse-me, sem meias palavras: não venho reclamar da condenação do meu filho. Ele merece. Praticou um crime, deve pagar.
Perguntou, então, incisiva: por que Fulano de Tal, criminoso conhecido publicamente, com vários inquéritos na Delegacia de Polícia e processos perante a Justiça, teve a mesma pena que o meu filho?
O filho dela, Fulano de Tal e outro, haviam sido condenados por mim, pela prática do crime de assalto com uso de arma de fogo, sendo-lhes aplicada a pena de cinco (5) anos e quatro (4) meses de reclusão, mínimo legal, cuja pena máxima são 15 anos.
Disse-me ainda, aquela sofrida Senhora. Meu filho nunca havia se envolvido em crime, nunca tinha sido preso, e todos no Bairro, sabem que Fulano de Tal tem pervertido muitos jovens, levando-os à criminalidade, mas, mesmo assim, o senhor condenou meu filho a pena igual ao daquele facínora.
E continuou aquela revoltada Senhora. Como o senhor explica isto?
É justo que meu filho cumpra a mesma pena que ele? Para que serve o Poder Judiciário, se as penas não são adequadas? Se não há paz social! Se não podemos criar corretamente nossos filhos!
Logo percebi que estava recebendo uma verdadeira aula de dosimetria de pena e que aquela pena não obedecia ao comando da Constituição da República Federativa do Brasil, no que diz respeito à sua individualização (art. 5º, inc. XLVI), cuja Constituição (1988), jurei cumprir e fazer cumprir.
Aquela pena não fora justa, posto que igualei desiguais. Abominei, então, a tabela dos doutrinadores, tarifando, previamente, as circunstâncias que envolvem os delitos, como se “tudo não dependesse do tempo e das circunstâncias”, como ensina Eclesiastes, C9,11.
Também pasmei diante do fato, devidamente demonstrado, nos autos, a respeito da vida pregressa de Fulano de Tal e, mesmo assim impossibilitado de considerá-la para efeito da dosimetria da pena, ao argumento de que ofenderia o princípio da não culpabilidade.
Diante daquele quadro me veio a lume, outro ensinamento Bíblico, também insuperável: “aquele que absolve o réu e o que condena o justo, ambos são abomináveis perante Deus.” (Prov. C 17, 15)
Aquela Senhora, em sua angústia de mãe sofrida, buscava apenas Justiça, o que naquelas circunstâncias não lhe pude assegurar, pois estava preso aos rumos doutrinários e jurisprudenciais, sentindo, então, não ter cumprido adequadamente o meu mister.
Naquelas circunstâncias agradeci a Deus por ter me permitido sentir de coração aberto, que se faz necessário “ver a vida como ela é, e não como somos ou como queremos que ela seja” e que as condutas, juridicamente, devem ser valoradas com os valores que se apresentam conforme o tempo e as circunstâncias.
Aquela Senhora me fez calar, sem lhe poder esclarecer que a pena aplicada ao Fulano de Tal, tivera por base sua primariedade técnica – jurisdiquês, como tantos outros, a emperrar o Poder Judiciário, impedindo-o de colimar sua verdadeira finalidade: assegurar a convivência pacífica, a preservação da ordem pública e a incolumidade da pessoa e do patrimônio.
Agradeceu por ter sido recebida e ouvida com o devido respeito, mas deixou em seu semblante a pergunta: Tecnicamente Primária não é a sua Justiça?
*Membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Compondo a 2ª Câmara Criminal.