Por Carlos Eduardo Lula
Quadrilha
João amava Teresa que amava Raimundo que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili que não amava ninguém. A mãe lia Drummond às filhas. Isabel, a mais nova, sempre inquieta, perguntava:
– Mas mãe, a Maria não podia amar o Joaquim e o Raimundo?
– Ao mesmo tempo?
– Sim, mãe.
– Não, filha. Não pode. A gente ama uma e apenas uma pessoa.
– Mas eu amo você, o papai e a Isabel, mãe.
– Mas esse é outro tipo de amor, filha. É o amor do papai e da mamãe, dizia a mãe de Isabel que vivia às turras com o marido e as duas amantes.
Isabel aprendia, desde cedo, e da pior forma, que era impossível amar duas pessoas ao mesmo tempo. Pelo menos na claridade. O amor estável que ela tanto buscou na vida adulta ao lado de uma única pessoa é o que a livraria do desamparo e a faria completa. A sociedade não admitia publicamente o amor fora de uma relação entre um casal. Ela nunca concordou bem com isso, mas resolveu aceitar.
Sim, Isabel tinha consciência de sua escolha: resolveu não polemizar com a sociedade, não brigar com sua família nem ser alvo de fofocas do trabalho. Nossas decisões nos levam a sofrer. E para viver uma vida de verdade, Isabel abdicava de várias outras. Toda escolha pressupõe renúncia e ela escolheu o caminho que resultaria num menor sofrimento. Chegou mesmo a acreditar no que lhe tinha sido imposto.
E chegando aos trinta, tinha em Raquel o modelo a seguir: monogamia, felicidade, filhos.
Escândalo
Isabel atende o telefone e lá está Raquel, aos prantos.
– Ele me traiu, ele me traiu!
– O que foi, irmã?
– Aquele canalha do Raimundo me traiu com uma colega de trabalho. Uma gorda horrorosa! E ela já ficou com meia firma! Eu quero morrer!
– Calma, estou chegando aí.
Dirigindo-se à casa da irmã, verificando que não há ameaça de ela dar cabo à vida, começa a arrumar suas malas.
– O que você está fazendo, Isabel?
– Arrumando suas malas, você vai ficar comigo até as coisas acalmarem. Não vou suportar uma irmã vivendo com alguém assim.
– Sair daqui? Você está louca? Eu amo meu marido!
– E o que você quer de mim, então?
– Fala com ele, por favor. Só você para falar com ele. Mas não destrói tudo.
Raimundo
Chegou ao trabalho de Raimundo já ao fim do expediente, furiosa.
– Sem vergonha, canalha!
– O que foi isso, eu posso entender?
– Você, seu vagabundo, traindo minha irmã!
Raimundo, de imediato, retira Isabel da Redação, onde todos viam o show da cunhada, e a leva para uma sala reservada.
– Olha, você nunca mais faça isso. Respeite meu ambiente de trabalho! E mais! Você é só minha cunhada, nada mais que isso! Minha mulher acaba de me ligar declarando todo o seu amor por mim e você vem me esculhambar na frente de meus colegas de trabalho?
– Raimundo, o ser humano é o único que finge, o único que falsifica, o único que mente. Um sapo, um leão ou tigre nascem e morrem enquanto tais. Um jabuti não vira um marreco. Um orangotango não vira um sabiá. Mas o ser humano, ah, esse falsifica a si e ao mundo. Se desumaniza. Pra que tantas mentiras? Eu sei que essa gordinha daqui não é a primeira. Você vai continuar fazendo minha irmã sofrer tanto?
– Você acha que gosto de mentir? A mentira não convém mas ela é inevitável. Eu não suporto ser a causa da tristeza de ninguém, mas meu casamento com sua irmã só é tão feliz por conta de eu manter muito bem separada essa minha vida. Mas por que raios mesmo você está tomando as dores de minha mulher? Essa conversa eu não deveria ter com você.
– Você quer mesmo saber?
– Lógico que quero.
– Você não traiu só a minha irmã, seu canalha. Você traiu a mim também. E sem que Raimundo pudesse exercer qualquer tipo de reação, com um beijo, Isabel, a Lili, amava o Raimundo que amava a Raquel.
Carlos Eduardo Lula é Consultor Geral Legislativo da Assembleia do Maranhão, Advogado, Presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/MA e Professor Universitário. e-mail:[email protected]