Maquiavel revisitado

Por Carlos Lula

06/05/2011. Crédito: Neidson Moreira/OIMP/D.A Press. Brasil. São Luís - MA. Carlos Eduardo Lula, advogado.Tenho incontida admiração por Nicolau Maquiavel, um dos mais ilustres florentinos da História. Sua importância é tão grande que as expressões “maquiavélico” e “maquiavelismo” como sinônimos de astúcia, cinismo, procedimento traiçoeiro ganharam o cotidiano. Saíram da esfera do debate público e entraram nas relações privadas. Ninguém pretende ser alcunhado de maquiavélico, porque a expressão, longe de ser elogiosa, serve a todos os ódios e é uma maneira de desqualificar o oponente, taxando-o de inescrupuloso, alguém disposto a qualquer coisa para vencer uma disputa. O maquiavélico seria uma encarnação do mal. Não por acaso, a todo tirano lançamos a mesma sentença: inspirou-se, sem dúvida, em Nicolau Maquiavel.

Não me canso de afirmar a injustiça de tal destino. Maquiavel, longe de querer escrever um manual sobre a conduta dos monarcas, preocupou-se a falar sobre o Estado, não o melhor Estado, mas o Estado real. Ele procurou analisar a realidade como ela efetivamente é e não como ele gostaria que fosse. Não o preocupava o dever-ser, mas o ser. Questionava ele como pode ser resolvido o inevitável ciclo de estabilidade e caos, inerente à política. Curioso, que sua vida pode ser resumida nessa ambivalência, estabilidade/caos.

Nascido em 1469, Maquiavel conviveu com uma Itália esplendorosa e dividida. Nápoles, dominado pelos Aragão; os Estados papais, ao centro; Florença, dos Medici; e ainda Milão e Veneza. As últimas décadas do Século XV eram de enorme instabilidade e Nicolau pode conviver com figuras singulares como o Papa Bórgia, para citar apenas um exemplo. Em 1498, ocupa seu primeiro cargo público de destaque (uma espécie de diplomacia), do qual é demitido em 1512, com a volta dos Medici ao poder. Em 1513 é preso, acusado de integrar uma fracassada conspiração contra o novo governo. Após sair da prisão e tentar em vão reconquistar seu emprego, nascem as obras do analista político. Seu forçado retiro faz nascer sua literatura.

Infelizmente, para os tiranos ele era um republicano. Quando iniciada a República, ele era considerado inimigo, por ter ligações com os depostos monarcas. Morre em1527. Na trajetória de sua vida ele pôde sentir a principal lição de O Príncipe: o espaço da política se constitui e é regido por mecanismos distintos dos que norteiam a vida privada. Todos sentimos o poder, mas poucos o conhecem. E para conhecê-lo, temos de entender que a incerteza e a instabilidade são próprios da atividade política, que, se não leva ao céu, nos leva diretamente ao inferno na sua ausência.

Para Maquiavel, no que só posso concordar, os homens são “ingratos, volúveis, simuladores, covardes ante o perigo, ávidos de lucro”. Esses atributos negativos da natureza humana fazem parte da realidade com a qual temos de lidar. Para Maquiavel, a história repete-se sempre, com a ordem sucedendo a desordem, e a política tentando domesticar a natureza humana. Para ele, o poder é o único meio de enfrentar o conflito, ainda que de maneira precária e transitória.

A perversidade das paixões humanas sempre volta a se manifestar. E em toda sociedade, há duas forças antagônicas, uma que quer dominar e outra que não quer ser dominada. Se todos quisessem o domínio, com a vitória, tudo seria resolvido. Mas nunca haverá paz, porque os vencidos não são sufocados pelos vencedores, pois permanecem querendo o domínio.

A estabilidade das relações políticas, portanto, surge quando se encontram mecanismos que imponham estabilidade a essa relação, permitindo um convívio harmonioso entre rivais. Assim, o governante não é simplesmente o mais forte, que pode até vencer por ter mais força, mas dificilmente terá condições de manter seu poder. O governante para Maquiavel deve possuir virtù, sabedoria para agir conforme as circunstâncias.

O poder se funda na força, mas a sua manutenção é advinda da virtù, a capacidade do príncipe de utilizar a própria força, mas de modo virtuoso. E, sobretudo, “aprender os meios de não ser bom e a fazer uso ou não deles, conforme as necessidades”. Porque para Maquiavel, a virtù política exige também os vícios, assim como exige o reenquadramento da força. Eis o mundo real, mas há quem prefira manter-se cego. É muito mais cômodo.

 

Carlos Eduardo Lula é Advogado, Presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/MA, Secretário Adjunto da Casa Civil do Governo do Maranhão e Professor Universitário. e-mail:[email protected]

Nicolau Maquiavel

Por Carlos Eduardo Lula

06/05/2011. Crédito: Neidson Moreira/OIMP/D.A Press. Brasil. São Luís - MA. Carlos Eduardo Lula, advogado.No ano de 2013, completaram-se 500 anos de O Príncipe, mais famosa obra de Nicolau Maquiavel. Aos maranhenses, ela nunca serviu tanto, tamanho o conflito político que vivemos. A coluna de hoje, portanto, é dedicada ao autor florentino.

Há muitas tentativas de se explicar O Príncipe, tido como o livro fundador da Ciência Política. Para a maioria dos autores, podemos encarar o livro ou como uma espécie de manual de autoajuda para soberanos ou candidatos a líderes políticos, orientando como lidar com as intrigas e traições da política, ou como uma obra escrita para o povo, a fim de orientá-lo sobre como lidar com os déspotas e os poderosos.

Prefiro concordar com Fernando Henrique Cardoso, que busca uma terceira interpretação à obra. No prefácio à tradução de O Príncipe da Penguin Books, o ex-presidente defende que o livro não é merecedor das críticas históricas clássicas, que sempre o quiseram ter como um manual de cinismo político.

Na verdade, O Príncipe colocou luzes sobre a Política, livrando-a da hipocrisia da Idade Média. Fernando Henrique entende que Maquivel por meio do livro conseguiu demonstrar que a “explicação da Política não depende de uma consulta a valores moralmente superiores, mas a razões autoevidentes, que se revelam por meio das ambições, forças e fraquezas dos homens”.

Ou seja, a busca pelo poder é marcada principalmente pelo interesse próprio, a ambição, a inveja, a vontade de domínio. Maquiavel escreveu seu tratado muito menos como um filósofo e muito mais como um ser humano imerso nas lutas e na cultura política de seu tempo. Seu interesse não era buscar regras universais de comportamento, explicações abrangentes e verdadeiras para a vida, mas detalhar o que havia observado durante o transcurso de sua própria vida.

Maquiavel atuou, portanto, na qualidade de um Conselheiro, um Consultor, alguém que auxilia o Monarca a tomar uma decisão. E que Conselho Maquiavel poderia trazer ao Maranhão atualmente?

Inúmeros, mas destaco aqui o Capítulo XXIV, em que Maquiavel busca explicar porque os príncipes da Itália perderam seus reinos. Diz ele que todos os senhores que na Itália perderam seus domínios tinham um defeito em comum: tinham a inimizade do povo ou, se contavam com a amizade popular, não souberam assegurar-se contra os poderosos.

Se um militar, diz ele, sabe envolver o povo numa batalha e assegurar-se contra os poderosos, pode lutar durante anos contra seus adversários mais temíveis e, se ao final perder o controle de algumas cidades, no entanto manterá preservado seu reino.

Assim, um príncipe que venha a perder seu principado, à frente do qual estive tantos anos, não pode acusar a má fortuna por isso, mas sua própria incompetência. Se o príncipe não pensou em fazer mudanças nos tempos de paz — o que é um defeito comum entre os homens, não prever a tempestade na bonança

— quando depois vierem tempos adversos, pensarão apenas em fugir,
e não em se defender, esperando que o povo, cansado da insolência
dos vencedores, os chame de volta.

Nunca se deve cair acreditando que haverá quem os levante mais tarde, porque as defesas boas e duradouras dependem exclusivamente do príncipe e de suas virtudes, e não de terceiros.

Como podemos ver, nessas semanas que antecedem o dia 04 de abril, a leitura de Nicolau Maquiavel é mais do que recomendada, é necessária.

 

Carlos Eduardo Lula é Consultor Geral Legislativo da Assembleia do Maranhão, Advogado, Presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/MA e Professor Universitário. e-mail: [email protected] . Escreve às terças para O Imparcial e Blog do Clodoaldo Corrêa