Carlos Eduardo Lula
Durante todo o ano de 2013, o Legislativo se propôs um debate sobre a reforma política. Com temas e argumentos já repetidos à exaustão, chegou-se ao paradoxo de aprovar uma reforma legislativa que piora sobremaneira o sistema já existente.
A eloquência dos discursos, contudo, contradiz o resultado prático do trabalho. A imagem que sempre me transparece dessas tentativas de reformar o sistema é aquela que se tem em todo carnaval: o gari, o sorriso, a frenética dança e as lentes da câmera a marcar aquele momento. Corta-se a imagem, passa-se aos comentários sobre a “ex-BBB” na escola de samba, e o que fica é só um gari, desencantado e solitário, com suas contas no final do mês e sem saldo suficiente para pagá-las.
Essa imagem do gari para mim retrata o que o Congresso Nacional – e o próprio Brasil – não se cansa de fazer: a construção de sua própria imagem para iludir a realidade que bate à sua porta. Às câmeras, os sorrisos. Apagada a lente, a solidão.
E na letargia do Poder Legislativo, que não consegue estabelecer consensos mínimos sobre a tal reforma política, o Supremo Tribunal Federal, mais uma vez, pode fazê-la. Na próxima quarta-feira (11/12), o primeiro item da pauta do Supremo é a ADI 4650, que, caso julgada procedente, pode impedir que empresas privadas façam doações para candidatos e partidos políticos durante campanhas eleitorais.
Nessa Ação Direta de Inconstitucionalidade, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) questiona dispositivos da Lei dos Partidos Políticos (Lei 9.096/95) e da Lei das Eleições (Lei 9.504/97) e busca ver declarados inconstitucionais os dispositivos que atualmente permitem doações por pessoas jurídicas às campanhas políticas.
Na ação, a OAB também requer que o Congresso Nacional seja obrigado a editar legislação que estabeleça (1) limite per capita uniforme para doações a campanha eleitoral ou a partido por pessoa natural, em patamar baixo o suficiente para não comprometer excessivamente a igualdade nas eleições, bem como (2) limite, com as mesmas características, para o uso de recursos próprios pelos candidatos em campanha eleitoral, no prazo de 18 (dezoito) meses, sob pena de atribuir-se ao Tribunal Superior Eleitoral – TSE a competência para regular provisoriamente a questão.
Não há a menor dúvida: caso julgada procedente, a ADI 4650 terá efeito avassalador sobre o modo de se fazer política e sobre as eleições vindouras.
Os problemas relativos à relação entre as doações feitas em campanha e os recursos públicos repassados futuramente à iniciativa privada para a consecução das obras e investimentos da administração é campo fertilíssimo, e que, se estudado a fundo, revela, não raramente, espúrias e nefastas confabulações. As doações das empresas seguem antes uma lógica econômica que ideológica.
Os que “doam” permanentemente às campanhas eleitorais quase sempre “cobram” do futuro administrador público um preço muito mais alto que o valor doado. É por isso que o financiamento das campanhas eleitorais precisa ser urgentemente repensado, a fim de diminuir os gastos de campanha por um lado e de outro, impedir que os recursos públicos paguem, ainda que de forma ilícita, como hoje ocorre, o altíssimo preço das campanhas eleitorais.
O modo pelo qual se estabelece a arrecadação de recursos para a campanha e a maneira pela qual se faz as suas prestações de contas é extremamente falho, estando sujeito a todo tipo de manipulação, o que favorece sobremaneira o conhecido “caixa dois” e a corrupção, aumentando a influência do dinheiro sobre as campanhas e afastando eventuais líderes políticos que por não cederem diante de tal quadro, ficam impossibilitados de se eleger.
A ação da OAB, portanto, vem em boa hora. Tanto mais democrático o processo eleitoral quanto maiores e mais eficazes os seus sistemas de controle. A doação de empresas a campanhas eleitorais é perniciosa a não mais poder. Mesmo os atos praticados pelos órgãos de representação popular, ainda que com apoio da própria população, podem ser objeto de crítica e controle, porquanto a predominância da maioria só deve ser aceita dentro de um quadro de respeito à Constituição.
E é esse, afinal, um dos objetivos da jurisdição: a sobrevivência e a proteção das minorias governamentais, de modo que o Judiciário passa a atuar enquanto um órgão de composição de conflitos políticos, numa verdadeira contenção ao princípio da maioria, já que nenhuma decisão pode estar imune a controles democráticos.
Ninguém se sobrepõe, nem mesmo os grupos majoritários, aos princípios superiores consagrados pela Constituição da República. E nesse sentido a democracia também garante a segurança de expectativas das pessoas: todas as instituições hão de respeitar o ordenamento jurídico e as posições jurídicas de seus cidadãos. Assim, é possível afirmar que é também papel da Justiça Eleitoral ser garantidora do regime democrático. Ao mesmo tempo em que é garantida por ele.
Uma pena, contudo, que nos últimos anos o Congresso Nacional tenha agido sempre a reboque do Supremo Tribunal Federal. A reforma política que o Congresso se nega a fazer, hoje está sendo esculpida dentro do Poder Judiciário.
Carlos Eduardo Lula é Consultor Geral Legislativo da Assembleia do Maranhão, Advogado, Presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/MA e Professor Universitário. Escreve às terças para O Imparcial e Blog do Clodoaldo Corrêa.
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