Por Carlos Eduardo Lula
O ano judiciário havia mal iniciado e a Corte já podia festejar um feriado prolongado. Com o carnaval do mês de março, em Bruzundanga passaríamos mais de dez dias sem que houvesse qualquer sessão no Tribunal Superior do país. Atolado em processos, a última sessão ocorreria no fim de fevereiro e a próxima apenas em meados de março. Era possível dar uma esticada, aproveitar o carnaval, curtir a popularidade dos últimos anos. O Ministro tinha sido capa da revista mais vendida do país, relator de um processo que levou para cadeia os principais dirigentes do maior partido de Brunzundanga e, por último, presidente da Suprema Corte. Muitos o queriam até presidente. E lá foi ele curtir o carnaval.
Mas onde passar o carnaval? Paris? Estados Unidos? Aproveitar e encaixar algumas palestras, ganhar algumas diárias? Não, ficaria feio. Nas últimas férias já tinham descoberto o artifício e plantado uma série de notinhas nos principais jornais do país. Antevendo a eleição que se aproximava, não teve dúvidas: iria ao sambódromo. Lá, além de distribuir autógrafos, tiraria fotos ao lado dos principais atores do país. Seria ótimo para sua possível eleição.
E lá foi ele, serelepe e sorridente. Só não se lembrava que no carnaval há sempre um bêbado a importunar. Como não andava com seguranças para não parecer antipático, em vez de modelos e atrizes, quem logo se aproximou dele foi um cidadão bruzundanga já ébrio. O diálogo que se seguiu foi mais ou menos assim:
– Ministro Nhoquim, é o senhor?
– Sou eu sim, por quê? Qual o problema? Não posso vir aqui? E me trate por Vossa Excelência, por favor, disse o Ministro, insatisfeito com a pouca popularidade.
– Ministro, calma. Achei que o senhor era mais simpático. Quem quer ser Presidente da República tem de ser simpático com o povo. Em bêbado não se bate.
– Quem disse que quero ser Presidente? O senhor ousa me criticar? Quem é o Senhor para me criticar?
– Sou um admirador do seu trabalho, Ministro. Sei que o senhor veio de baixo e…
– Vossa Excelência. Já falei, Vossa Excelência.
– Tá bom, Excelência.
– Mas o Senhor dizia que me admirava. Quer um autógrafo?
– Não. Quero lhe fazer uma pergunta. Ou melhor, uma pergunta a Vossa Excelência, posso?
– Pode sim.
– Vossa Excelência julga por classes?
– O que você está insinuando, rapaz?
– É que teve aquela vez, com o Ministro Vilmar, que ele disse que o senhor… Vossa Excelência… julgava por classes. Se fosse rico era de um jeito, pobre de outro, petista de um jeito…
– Ora, quem é o Ministro Vilmar para dar lição de moral em alguém? Vou dizer o que disse a ele à época: saia às ruas, meu jovem, saia às ruas e vejo os aplausos da sociedade à minha atuação.
– E a função do juiz é ser aplaudido?
– Lógico que não. A função de um juiz é aplicar a lei. Doa a quem doer.
– Huummm… Isso quer dizer que o juiz não deve se preocupar com os aplausos ou com o repúdio da população à sua decisão?
– Eu não sou repudiado, meu filho. Eu sou aplaudido.
– Ministro, mas quando o senhor interrompeu o julgamento só para a imprensa pressionar um Ministro…
–Isso não existe! E é Vossa Excelência! Já lhe disse!
–E a reforma do seu banheiro? Foi mesmo noventa mil dilmas?
–O que é isso? Vá chafurdar, no lixo, rapaz. Saia daqui!
–Ministro, o senhor não respondeu nada. Estou te achando um chato e mal educado.
–Ora, e você, que está embriagado!
–Tá bem, mas pelo menos amanhã eu já estou bom.
Dizem que a turma do deixa disso teve de conter a algazarra que se formou logo após a conversa…
Carlos Eduardo Lula é Consultor Geral Legislativo da Assembleia do Maranhão, Advogado, Presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/MA e Professor Universitário. e-mail: [email protected] . Escreve às terças para O Imparcial e Blog do Clodoaldo Corrêa